ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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Diário - 9 de Junho

Esta é a última página do Diário de um aluno do Externato Ramalho Ortigão. Esteve guardado num sótão muito húmido, tem a capa desfeita e o ano ilegível. Grande parte das folhas estão coladas umas às outras, muito amarelecidas e com a tinta esborratada. Transcrevi as mais aproveitáveis e que tinham, simultâneamente, referências a locais de encontro e acontecimentos desse tempo. Os nomes dos locais foram fáceis de perceber, penso que estão correctos, os das pessoas não estou tão seguro.

9 de Junho


Como amanhã é o dia da Raça e de Camões, as aulas acabaram hoje. Nunca percebi bem esta coisa da raça, já que há portugueses brancos, pretos, mestiços e amarelos. Até já perguntei à professora de História e ela explicou-me fazendo um longo discurso sobre a nossa Nação. Também não sabe.


Esteve um dia azul, com sol e calor, a prometer quatro meses de férias fenomenais. Quatro meses inteirinhos… Como não há exames no sexto ano, só voltamos ao Colégio a 8 de Outubro.


O fim das aulas significa mudanças. As “aulas” de xadrez na cave do Central vão ser substituídas pelas de Bridge no Casino. Em vez de bilhar no Marinto e no Central, de snooker no Camaroeiro e de matraquilhos na Floresta vamos jogar Ténis e pingue-pongue (na Casa dos Barcos).


Já sei que vou estar nas Caldas até ao fim de Agosto, as férias do meu Pai são sempre em Setembro. Nessa altura iremos até ao Norte. Os meus pais irão até ao Porto, Matosinhos, Espinho, onde têm família e velhos amigos. Eu ficarei um mês na quinta dos meus avós, com vacas, galinhas e porcos, floresta e rio para explorar. Também poderei caçar e pescar. Os meus primos são pouco mais velhos do que eu e os meus tios não têm preocupações de horários numa aldeia em que não acontece nada. Um paraíso!


Quando falei assim do mês de Setembro à Luísa, ela não gostou. Acabámos a discutir quem tem mais saudades do outro, separados durante um mês. E prometemos longas cartas diárias. No ano passado só escrevi duas (e curtas). Foi um sarilho que demorou todo o primeiro período a resolver.


As aulas já nem nos incomodaram, nem mesmo a de Ciências. Despediu-se a professora com uma boa disposição inesperada, que nos pareceu até forçada... A nossa satisfação era verdadeira! Nem os professores com que nos damos melhor nos deixam saudades (nem provavelmente nós a eles). Nesta altura do ano estamos fartos uns dos outros! Um deles disse que o melhor dia de férias é o último dia de aulas, porque nada é tão bom como nós imaginamos antecipadamente... Mas eu espero que seja melhor!


À tarde sentei-me com os amigos na Esplanada, a planear as férias. Mas já está tudo planeado, não vai haver surpresas. Nós não decidimos grande coisa, temos que nos submeter aos planos familiares. O Vasco, o Ricardo e a Olívia, que são de Peniche, os dois primos da Dagorda, a Mariana (o génio da Matemática do Bombarral), vão desaparecer. Mas a maioria fica, um ou outro sai em Setembro para o campo, como eu. Os pais da Ana Maria falam em ir ao Algarve. Ela estava podre de chateada, não conhece lá ninguém, diz que é um atraso de vida.


Enquanto conversávamos ouvimos um grande reboliço. O Zé Tó chamou-nos, um barco virou-se! O excesso de passageiros e as constantes batalhas navais no lago provocam estes acidentes. São colegas do Colégio que naufragaram! O Pacheco passou uma hora à procura dos óculos perdidos no lodo. Os guardas do parque até trepam pelas paredes com estas coisas, a única ajuda do encarregado do aluguer foi passar essa hora a ameaçá-lo, da margem, com o que ia fazer quando ele saísse. Mas não aconteceu nada. O espectáculo dele vestido a mergulhar naquela água suja atraiu uma pequena multidão.


O Nuno relembrou que o Casino, o Parque, o Ferro-Velho e as praias se vão encher de todos os lisboetas e alentejanos que passam cá o Verão. Grande parte dos amigos do meu Pai estarão cá só uns dias em Agosto, mas as mulheres e os filhos ficam três meses. O Mário picou-me dizendo que dezenas de miúdas giras vão andar por aí e as nossas “namoradas de Inverno” vão ser um estorvo (ele não tem nenhuma, claro!). Perguntou-me como é que posso ir com ele a S. Martinho engatar as famosas Belgas de que nos falam os mais velhos?


Nem falámos das notas, passámos todos, penso. Embora sem negativas, as minhas não foram como no ano passado, longe vai o Quadro de Honra do 5º ano… Mas há tanto que fazer, não há tempo para tudo!


Subimos até à praça, alguns foram até à Zaira onde a esplanada (3 mesas!) está naturalmente cheia. Os fanáticos dos matraquilhos da Floresta ainda me chamam, mas isso é para o Inverno. Vou à Tália procurar uns livros para as férias. Sou um leitor repetitivo, ao contrário dos meus amigos, gosto de ler livros seguidos do mesmo autor. Andei a divertir-me com Mark Twain, ando agora no Somerset Maugham, que morreu há dois ou três anos. Escreveu montes de livros, todos editados na Livros do Brasil. Trouxe o melhor (dizem-me), chamado “No Fio da Navalha”. Acabei “Servidão Humana” há dias. Como o meu Pai é também um leitor viciado tenho mais ou menos carta branca para levar os livros que quiser, ele depois paga.

Aproveito para ouvir um LP dos Monkees. Não me entusiasma, eu quero mesmo é o novo do Jimi Hendrix ou dos Jefferson Airplane. E discos compro poucos, sou eu que os pago! Continuo fã dos Beatles, mas os novos sons de Londres e S. Francisco, que se ouvem no Rádio Clube em Frequência Modulada, são de gritos! Volto a casa precisamente para ouvir o “Em Órbita” no Rádio Clube Português às sete e meia. A Rádio Luxemburgo também passa música fenomenal, mas só se ouve à noite e muitas vezes mal. E eu não tenciono estar à noite em casa nos próximos meses!


Depois de jantar o encontro foi na Zaira. Ficámos a conversar à porta. Sem frio e com um feriado amanhã, grupos de caldenses faziam piscinas, subindo e descendo a praça. Bandos de garotos corriam e jogavam à apanhada usando os candeeiros e as árvores como coitos, enquanto os pais ou avós os vigiavam sentados nos bancos de madeira.


Fomos até ao Casino, onde jogámos Poker aberto, também chamado sintético. Mas não ao pé das senhoras, que jogavam Canasta, Crapaud e Bridge. Convencemos os responsáveis a reabrir a sala que dá para a Rua de Camões de forma a podermos estar lá mais à vontade. Temos mesas e cadeiras que estavam na arrecadação e um velho pick up para ouvir música. Numa sala só para nós não incomodámos os mais velhos e a sessão durou até às tantas. O velho Sr. Solteiro lá foi trazendo umas cervejas e até uns Whiskies para os mais abonados. Sempre com grandes recomendações para não sujarmos ou queimarmos o pano verde da mesa. (Ele que vai passar o Verão a chatear-nos para não pormos os pés em cima das mesas de apoio, quando vimos do ténis para beber uma Rical e queremos descansar as pernas. A laranjada custa aqui o dobro do que custaria comprada nos courts ao Sr.Cravide. Mas aqui será paga pelas mamãs, em conjunto com as contas dos seus lanches e dos alugueres das cartas e mesas).


Fui com os vencedores até ao Ferro Velho, que estava aberto porque amanhã é feriado. Os menos felizes contentaram-se com uma última imperial no Marinto ou no Camaroeiro. Ou talvez na Zaira, se ainda estivesse aberta. Amanhã saberei.
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COMENTÁRIOS
21-08-2008
Vasco disse:
já me fizeste rir.................. a malta que aparece na foto não parece nada ter 16 anos deve ser do tratamento "sepia-lexivia" ou do grau, perdão do grão. Quanto ao que é relatado nessa folha, é isso, era assim e outras vezes mais mais ao lado e mais tarde (mais prómeio das férias) e as belgas eram melgas, e por aqui me fico. Deves continuar. VB
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21-08-2008
Jorge disse:
Afinal era fácil descobrir o autor ... mas sempre julguei que fosse alguém mais velho, confesso! J
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22-08-2008
João Serra disse:
Agora que se anuncia o termo deste Diário que o JJ em boa hora encontrou "num sótão muito húmido", tomo coragem e peço licença para comentar.A leitura deste dia 9 foi para mim absolutamente surpreendente. Voltei atrás, ao meu 6º ano de ERO. Imaginei-me como a personagem descoberta por JJ, um diarista. Procurei reconstituir a situação e confesso a enorme perturbação em que me achei.
Caro JJ, caros companheiros: eu estou naquelas páginas amarelecidas e de tinta esborratada - exactamente numa das que escapou, quase por milagre, para que alguém a transcrevesse e no-la desse a ler. Não repararam? Compreendo. Eu também levei algum tempo a perceber. É que eu estou no outro lado da história.
Como o diarista de 1966-1970 nunca se identifica, vamos atribuir-lhe o nome fictício de J. Vejamos. J. antecipa os seus 4 meses de férias (de facto três,mas o lapso é desculpável tendo em conta a excitação que o toma pelo fim das aulas). Desvenda-nos que um mês será passado entre porcos, galinhas, vacas,um rio e uma floresta. Ou seja, um terço das suas ambicionadas férias será ocupado a caçar e pescar, a divertir-se com os primos um pouco mais velhos,nesse paraíso de uma aldeia, onde nada acontece.
Não nos esclarece J. de onde vieram esses primos. De outras cidades?Provavelmente.
Este diário é um espelho. Na imagem invertida está alguém que vive nessa aldeia onde não acontece nada, que todos os dias e todos os meses se recolhe onde há porcos, galinhas, vacas, um rio e uma floresta. Alguém que todos os dias, durante o período de aulas, percorre duas vezes a distância que o separa da cidade, do colégio onde estuda. Que antecipará ele no dia 9 de Junho sobre os 3 longos meses de férias que se avizinham? Que entusiasmo será o seu perante o fecho das aulas? Deixará de se encontrar diariamente com os colegas e amigos, de saber coisas sobre as suas vidas, suspenderá laços afectivos e processos de conhecimento, interromperá camaradagens e amores. Pode ler, mas com quem trocará impressões sobre o que leu? Pode escrever cartas mas que destinatários estarão disponíveis para lhes responder?
J. esqueceu-se de referir mas eu estou em condições de esclarecer. Um daqueles primos um pouco mais velhos era eu. Não vim da cidade nas férias,está lá, vivia lá. O melhor das minhas férias eram esses primos que vinham e iam. João Serra
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22-06-08
Luísa disse:
Não faz sentido ter acabado o diário! Só teve quatro páginas, não pode ser nenhum diário é tão curto. E também se escrevia nos diários durante as férias.
O João Serra enganou-se nas contas: de 9/6 a 8/10 são mesmo 4 e não 3 meses…
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2008/6/23
Júlia Ribeiro disse:
O dono desse sótão com todos esses papéis velhos, húmidos e ao mesmo tempo tão bem conservados só podias ser mesmo tu.....não me enganei e cheguei a dar a dica, mas não te desmanchaste!!!!!!
Tens uma maneira incrível de escrever, consegues envolver-nos na história e voltar aos tempos da juventude (modéstia à parte, eu não seria aí tão jovem) mas como agora somos todos da mesma idade........ somos todos Antigos Alunos do ERO.... e tu tens esse mérito, como todos os colaboradores que também contribuíram.
Esta iniciativa foi muito engraçada, teve imenso êxito, revivemos muitos dos bons momentos e iremos continuar a vivê-los....
Um grande Abraço. Júlia Ribeiro
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23-06-2008
Isabel disse:
Eu sabia, tinha que ser o teu diário! E se foi escrito quando eu penso só acabou se tu quiseres.... Deves continuar (como disse o Vasco - Batista?).
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27-06-2008
Isabel Caixinha disse:
Sobre os últimos artigos escritos gostei imenso do diário . Este foi tocar-me em duas memorias muita queridas - a leitura e a musica!
Adorava ler e era cliente certa da nossa biblioteca do Parque. O que eu li !!!O Somerset Maughan que iniciei com o Mágico, continuei com o Fio da Navalha, o Mark Twain com as memórias de Tom Sawyer, Maximo Gorky ( A Mãe), Tolstoi, Hemingway...Eu sei lá! Era uma infindável lista de autores que me fascinavam! Estas leituras tinham normalmente lugar á noite, com som de fundo da Rádio Renascenca , “A noite é nossa” , que passava música gira, sem publicidade e só interrompida pelo bem humorado locutor! Um macaco bacana, como ele dizia!Imagina...

2 comentários:

vasco disse...

já me fizeste rir.................. a malta que aparece na foto não parece nada ter 16 anos deve ser do tratamento "sepia-lexivia" ou do grau, perdão do grão. Quanto ao que é relatado nessa folha, é isso, era assim e outras vezes mais mais ao lado e mais tarde (mais prómeio das férias) e as belgas eram melgas, e por aqui me fico. Deves continuar VB

Anónimo disse...

Fiquei fascinada! A caminho da cama e a horas tardias e absurdas (adormeci no sofá tentando manter os olhos abertos, mas fui vencida pelo sono), passei pelo face e, revi-me, sem dúvida.
Uma beleza o diário do João, a informalidade da escrita e o relato vivo, enterneceu-me deveras e por momentos fiquei assim, como que sonhando absorta e revivendo aqueles tempos. Planos de férias que nos marcaram a todos...
Obrigada pela beleza, bjs Isabel de Azevedo Noronha