ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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PÁSCOA DE 1964

.fotos, texto e legendagem de Isabel V P
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Não tenho muitas fotografias daquele tempo, pois, como já por aqui alguém disse, nenhum de nós tinha máquina e os pais só as emprestavam em ocasiões especiais. Em contrapartida, as que tenho estão todas datadas no verso (é assim uma espécie de vício que eu tenho). Por isso, para já, uma pequena correcção: a fotografia não foi tirada no domingo de Páscoa (que em 1964 calhou a 29 de Março), mas no dia 15, dia escolhido pela direcção do ERO para a comunhão pascal dos alunos, professores e funcionários.
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Seria engraçado procurar identificar todos os presentes, mas qualquer um verá que isso é praticamente impossível. No entanto, identifico a Fernanda Casimiro, a Lena Arroz, eu própria, a Nô Monteiro, a Manela VP, a Manela Carvalheiro, a Fátima Rosado Pereira, a Guida Cássio, a Efigénia, o Zé Manel Pais, a Lena VP (creio).
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Alguns dos outros reconheço, mas não sou capaz de lhes pôr um nome. Não faz mal: para isso, temos a Ana Nascimento.
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A fotografia deve ter sido tirada depois da missa; não me lembro se depois haveria um almoço para todos.Seja como for, e a julgar por outra fotografia desse dia que mandei, parece ter sido um dia de alegria para todos; se calhar, pelo simples facto de estarmos no colégio sem aulas.
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Haverá por aí quem tenha mais memórias?
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Dia da Comunhão Pascal (15 Março 1964):
Nami Caldeira, Maria Manuel Carreira Ramos, Isabel V.P., Nô Monteiro,
Fred Pinto da Cruz, Zé Manel Pais, Emiliana, Guida Cássio, Rolim (?).
Dia da Comunhão Pascal (15 Março 1964):
Roda exterior, no sentido dos ponteiros do relógio:
Fernanda Casimiro, ?, Olga ?, Lena Arroz, Nani Barosa,
Isabel V. P., Nô Monteiro, ?, Manela V. P. (?), ?, ?, ?, ?, ?, ?, ?,
Manela Carvalheiro, ?, ?, ?; os de costas que se reconheçam.
Roda interior, no mesmo sentido:
Guida Cássio, ?, Efigénia, ?, Emiliana, Xavier, Fátima Rosado,
Fiandeiro, ?, ?, Lena V. P., ?
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C O M E N T Á R I O S
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Manuela Gama Vieira disse...
Esta fotografia parece uma "cena" tirada de um filme,fantástica!Os tailleurs,os sapatos de salto alto,os cortes de cabelo,que charme.
Manuela Gama Vieira
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Ana Nascimento disse...
Olá Joãozinho
Já espreitei o blog e deliciei-me com o comentário e as fotos da nossa princesa, mas a foto da Páscoa não ficou atrás...Ri com gosto quando a Isabel comentou que contava comigo para a identificação do pessoal … a minha especialidade é mais caras e não costas ( eheheheheheh).
Decididamente estou a perder qualidades, não me lembro nada deste dia….sei que estive em várias Comunhões Pascais feitas no Colégio mas não consigo saber em quais, as fotos poderiam ajudar mas penso que nesta não estive.No entanto nada é impossível, penso que há mais fotos deste encontro e que devem estar já arquivadas no blog, são fotos de grupo tiradas no pátio das meninas e pelas fatiotas dos fotografados podemos identificar mais alguns.
Não te sei dizer quem foi o organizador mas, pela lógica, mesmo sendo o Padre Xico a fazê-lo tinha que ter a participação do director da época, o Padre Albino.Será que a Manela VP ou a Isabel não se lembrarão de mais pormenores … eu aqui não te posso ajudar (será falta das gotas? eheheheh).
Beijinhos e uma Boa Páscoa para todos.
Ana N
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Julia Ribeiro disse:
Isabelinha,mereces um prémio com esta fotografia! Está....está....um espanto, girissima! Eu, como habitualmente não estou lá, mas parece-me que consigo identificar alguém. Na roda de fora, à frente e da esqª para a dtª, a 6ª é a Lurdes Serrazina e a 7ª a Lucília. Serão?
Uma boa Páscoa para todos.Um beijinho para ti e obrigada por mais um momento, que quase me atrevo a dizer de "confraternização".
Julinha
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Fátima Clérigo disse:
Uma excelente escolha para imagem do Blog do ERO, uma Roda de Amigos, de mãos dadas, com a Alegria estampada nos Rostos. De mãos dadas seguramente também, os Valores que os uniam, e que se mantêm, agora em registo de deliciosas Memórias.
Uma Feliz Páscoa para Todos ! Bjs
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JoaoC disse...
Não conheço ninguém,primeiro porque não é nada fácil,depois porque ainda não estava no Colégio nesta altura.
A fotografia das rodas é muito gira,não me lembro de haver brincadeiras mistas no Colégio e eu andei lá depois disto.Teria a ver com o Director?
Boa páscoa a todos.
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COMENTÁRIO DA ANABELA MIGUEL



por Anabela Miguel
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A Guerra Colonial é um tema que muito me toca. Uma época que me acompanhou e nunca pude esquecer, como filha de militar que fez 2 comissões em Angola e 1 em Moçambique.
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Mueda, nome que soou muitas vezes aos meus ouvidos, como Tête, Nangololo, Montepuez........Zonas qualificadas de "muito quentes", termo usado para zonas muito perigosas, onde a querra estava em força.
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O belo poema que Alfredo Justiça partilhou connosco, transportou-me ao ano de 1961/1962, Catete em Angola. Uma vila, que se podia dizer estar calma, mas mesmo assim protegida por arame farpado e com uma enorme vigilância. Era miúda, mas tive a autorização do meu Pai para distribuir a correspondência aos nossos jovens e bravos militares que tinham regressado de zonas muito más como Pedra Verde e Nanbuangongo.Poder dar-lhes um pouco de felicidade, com esta pequena atitude, fazia-me sentir muito bem.Quantas cartas de amor não terei distribuído????? Não tenho palavras para descrever as suas caras de alegria quando recebiam uma carta, era o melhor que lhes podia acontecer, naquela terra tão longínqua e desconhecida !!!!
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Viviam ansiosamente o dia de chegada da correspondência, uma euforia mesmo, impossível esquecer... Não havia correio azul, eram os célebres aerogramas...Beijinhos
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Anabela Miguel

Posteriormente, ao enviar as fotos, acrescentou:
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Aqui vão as fotos que são quase uma relíqua, pois têm perto de 50 anos, meu Deus...como é possível!!!
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Duas delas são no pequeno jardim que existia em Catete e a terceira no aquartelamento. Só aqui para nós (claro, sou um túmulo - JJ), lembro-me que a minha Mãe me fazia andar sempre de calções, como se vê numa foto. Aquelas em que estou de vestido é porque era Domingo, ia à missa e então largava mesmo os ditos calções. Fiquei traumatizada, pois nunca mais vesti tal género de coisa.
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Põe a fotografia que achares melhor, ok? (e eu publiquei as três, seria um crime não o fazer- JJ)


C O M E N T Á R I O S
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Manuela Gama Vieira disse...
Gostei de ver a nossa "princesa",claro.Para além de colegas no ERO,éramos vizinhas,convivíamos bastante.Tive o ensejo de lhe dizer,há bem pouco tempo,que se mantém como a conheci,já lá vão os tais 40 anos-bom coração, simpática, amiga, aquele tom tom de voz mavioso. Recordo igualmente a angústia da Anabela sempre que o Pai se encontrava em missão. Gostei imenso de ver na fotografia a Srª D. Ana Maria que sempre dispensou a maior amabilidade a mim,meus irmãos e meus Pais.
Quanto aos calções, Anabela, também eu embirrava solenemente com calções... mas,se bem te lembras, naquele tempo vestíamos o que as nossas Mães "ordenavam" e... ponto final!
Manuela Gama Vieira
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vasco disse...
Muito bem Anabela. Finalmente qualquer coisa sem o complexo da guerra nas colónias.
V.B.
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Luis disse...
Há muitas histórias aqui para contar mas,passados tantos anos, parece que ainda não há o à vontade suficiente para o fazer.Muito bonitas as fotografias,concordo que mereciam todas ser mostradas.L
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J J disse...
A Anabela tem colaborado com o Blog e mostrado sempre um empenhamento e um entusiasmo em relação a este projecto que dá muita satisfação sentir.
As suas fotos, e as vivências que estão por trás delas, mostram que a nossa "Princesa" tem certamente mais memórias para partilhar e, já que o Blog continua mais algum tempo, vamos ter de a convencer a fazê-lo...
Bjs. JJ
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Joaquim disse:
Anabela, não fui aluno do ERO mas sim da E.B.Pinheiro e é a primeira vez que digo algo neste "blog".
A vida militar para mim tem sempre uma certa nostalgia, não porque eu tivesse de amores com a tropa mas sim a camaradagem que nela ficou para todo o sempre.
Fala em Nambuangongo e esse nome leva-me ao ano 63/64, onde passei doze meses da minha juventude,em que as "picadas" entre Namb. e Zala eram sempre uma aventura, passando pela Mata do Café e a Camioneta Vermelha. Já na estrada que ia para Carmona andei pela Pedra Verde e sempre passava no Ucua e Quibaxe.
Como estive em Luanda no Grafanil uns três meses percorria a estrada que ia para Catete todos os dias pois estava hospedado em Luanda "cidade linda" com os outros dois Furrieis e o Alferes. Nunca fui a Catete, mas cheguei perto e pelo caminho num dia muito quente e com sede paramos para apanhar uns belos "cajus" porque embora o dia estivesse quente o seu sumo é sempre fresco.
Falando de Angola e das três cidades que eu mais conheci nestes meus anos de vida: Caldas da Raínha, Luanda e Toronto no Canadá, para mim Luanda teve algo de especial e uma atracção que é difícil explicar.
Sem mais, quero dizer que as fotos são lindas
Joaquim
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Isabel Esse disse...
São realmente muito bonitas as fotografias da Anabela e ela fica bem de calções ou de saias...
Gostei do poema do A. Justiça e pelo que vejo despertou muitas memórias.Ainda bem!IS
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MUEDA - 1971 (Alfredo Justiça)

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Caro João Jales


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Junto remeto um pedaço da minha vivência após a "Bela Época". Encontrava-me em pleno cenário da guerra colonial, no norte de Moçambique, e a nostalgia atacou "forte e feio" numa noite de intensa vigília. Os nervos demasiado tensos... e, porque não confessá-lo, o medo presente em sobressaltos de alerta. Foi um tempo que ainda hoje está bem presente, embora decorridos mais de 38 anos.
(…)
Um abraço
A. Justiça



Carta enviada de Mueda em 1971

Poema de Amor


Meu amor:
acabei há pouco de te falar,
de te ouvir
e depois fiquei para aqui,
a olhar as coisas,
os livros,
a tua foto,
sem vontade de ler,
de fazer fosse o que fosse.

Nao aconteceu nada
de verdadeiramente importante,
pois na prática,
a distância
de Mueda a S. Martinho
é a mesma
que de Mueda a Paris
ou à China.
Para além, no entanto,
destas distâncias no espaço,
há as outras.
E com as tuas palavras,
o teu carinho,
a tua tristeza
e o teu amor,
eu senti
quando olhei o teu retrato,
que estavas triste,
como se pressentisses
nessa altura
esta separação,
e através dele,
senti que estavas perto,
que me fazias companhia.
Já passaram algumas horas,
já é tarde
e nao sei bem
se era isto,
que me apetecia.
Estou triste.
Verdadeiramente triste,
verdadeiramente só.
Custa-me escrever,
porque me apetecia
correr para os teus braços
como uma criança pequena,
fechar os olhos,
pedir-te beijos
e chorar
para ser ainda mais feliz.
Nao posso correr, afinal,
e escrevo apenas.
Digo coisas.
Entretenho-me
a enganar-me a mim
e a enganar o tempo
na ilusao
de que ele passará mais depressa.
Mas eu sei que será longo,
longo
e se não deixará enganar.
Passaram-se dias
desde que parti.
Dias em que viajei,
li livros,
ouvi música,
talvez sem a ouvir,
- mas procurei-a, pelo menos.
Dias em que pensei em tudo
e não pensei em nada.
Dias mais ou menos iguais
a tantos outros.
Hoje deitei-me,
desejando ler um pouco.
E, afinal,
mal me instalei,
mal li as primeiras páginas,
comecei a chorar
como uma Madalena.
Eu que sou tão forte
e me julguei invulnerável,
Eu que não chorei quando parti,
nem desde então até agora.
Não sei o que se partiu.
Uma couraça de segurança,
que insensivelmente
criei a minha volta.
Ou uma tensão,
que me tem oprimido.
sem que eu disso me apercebesse.
Mas que é profundamente belo,
profundamente humano,
profundamente bom.
E fiquei muito tempo de olhos abertos.
Nem aqui,
nem em S. Martinho,
nem em Lisboa,
num Mundo,
onde as pessoas se amam sempre,
espontaneamente,
num Mundo,
de amor puro e inteiro
que bem poderia ser
o de toda a gente,
se as pessoas se deixassem
a si mesmas,
ser naturais como crianças.
Encontrei-me lá contigo,
porque era a ti que eu procurava.
Porque é a ti que sempre procuro
no meu bocadinho pessoal
desse Mundo maravilhoso,
tao diferente do outro,
- o de lá de fora -
e que se torna assim
tão sem importância,
que nele nem vale a pena pensar,
nem viver.
Sinto agora a cabeça oca.
Nao consigo ligar duas ideias,
e um cansaço estúpido,
invencível,
desce sobre mim.
Apetecia-me ter-te aqui,
poder segurar entre as minha,
as tuas mãos,
tão boas,
e tão meigas,
- gosto delas... -
Olhar-te,
ver-te sorrir,
não dizer nada,
e deixar o sono
vir devagarinho.
Seria tão bom!
Mas vou dormir.
E quando tiver acabado de escrever,
vou virar o candeeiro para a parede,
acender um cigarro,
olhar as coisas na penumbra,
e deixar-me adormecer devagarinho.
Prolongar ao máximo
este enlanguescer,
pensando em que
para além de tudo,
sou imensamente feliz.
Porque,
Só sendo-se feliz,
Se pode amar assim.
O meu quarto,
enche-se agora da tua imagem,
e tu estás,
nos meus livros,
nos meus olhos,
em todo o meu ser.
Fazes parte de mim,
do meu passado
e do meu futuro.
Nada te desalojará.
Porque tu,
não tens um lugar dentro de mim.
TU ESTÁS EM MIM.
Na pele,
nos olhos,
nas paredes,
enfim,
em todos os lugares.
Andas pelo meu sangue,
partilhas os meus pensamentos,
vives todas as minha horas,
povoas a minha solidao.
Quando leres este poema,
faz á noite,
como eu vou fazer agora.
Apaga as luzes,
deixa só uma, pequenina acesa,
para desenhar o contorno das coisas.
Deita-te comodamente,
descontrai-te,
olha para o que te cerca
e pensa que há,
lá longe,
- combatendo uma guerra estúpida,
sem sentido,
inócua, -
alguém para quem
representas muito.
Pensa que há,
um bocadinho desse alguém
em todas essas coisas que te cercam,
- no armário,
nas paredes duras,
nas cadeiras
e nos livros.
Porque,
essas cadeiras,
essas paredes,
os livros,
sao marcas da vida.
Sao existencias paralelas a nossa.
Pensa que,
vida,
existencia,
realidade,
são amor.
O amor dos homens que construíram.
O amor da matéria que se deu.
O amor de um Mundo que gira,
que gera,
que continua.
Um amor imenso e eterno.
Um amor que aumenta
na pequenez dos segundos breves
que passam
até se tornarem cósmicos.
Um amor bem grande
feito de outros amores.
E pensa que estou lá.
Nao numa dimensão mística,
em que não creio.
Antes numa transposição de mim,
nas coisas,
num dar-me que gostaria,
que envolvesse também as coisas,
as coisas simples,
feias,
e humildes,
tao importantes como as outras.
Até logo amor.
Eu sou feliz.
SÊ-O TAMBÉM COMIGO, SIM?!...

Mueda, Junho de 1971
Planalto dos Macondes
Cabo Delgado
Norte de Moçambique


In Memorium
Para ti,
no dia em que me deixaste definitivamente,
por vontade de Deus e contra a minha vontade.
Continuas presente,
estás presente,
em todas as coisas,
até nas lágrimas que agora caem.
Adeus amor, até... sempre.

COMENTÁRIOS A "Mueda - 1971"

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Eva Mar. disse...
Considero-me com muita sorte por vários motivos. Tive uma infância feliz e cresci numa casa onde "sentir é permitido" e ler algo assim, escrito pela mão, e coração, do meu próprio pai enche-me a alma de orgulho.
Obrigada, pai. :)um beijinho grande.
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Ana Braga
disse...
É tão bonito o seu poema Alfredo Justiça, e tão triste! Mas não podia deixar de o ser. Que sentimentos de impotência, de revolta e de medo a maioria dos jovens do meu tempo – na altura em que ele foi escrito tinha eu 19 anos – viviam, perante esse fantasma da ida para a guerra. Uma guerra longínqua e estúpida, uma empresa inglória, sem futuro, que ensombrava os dias, como uma ave agoirenta de grandes asas a ofuscar a luz dos nossos sonhos.
Que solidão, lá longe. E como soube traduzir tão bem neste poema esse sentir.
A distância, o desconhecido, a insegurança, o receio do futuro aproximava os jovens soldados daqueles que mais amavam e levavam-nos, a encurtar as distâncias através da expressão dos sentimentos, através da palavra, dizendo o que não diriam em circunstâncias menos adversas. Porque esse ainda era o tempo em que se ensinava aos meninos que: “Um homem não chora.”
Obrigada por partilhar connosco este momento tão comovente da sua vida e parabéns pela forma como escreve.
Ana Braga
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IJustiça disse...
E pronto pai... lá me conseguiste pôr a chorar. E foi nos meus braços, debaixo do meu olhar que jamais esquecerei, sem o meu consentimento, que a mãe partiu para descansar. Sim para descansar... apenas o corpo.. de resto, certeza tenho, que cmg está...para sempre

Poema

Mãe que Levei à Terra

Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
que farei destas tuas artérias?
Que medula, placenta,
que lágrimas unem aos teus
estes ossos? Em que difere
a minha da tua carne?

Mãe que levei à terra
como me acompanhaste à escola,
o que herdei de ti
além de móveis, pó, detritos
da tua e outras casas extintas?
Porque guardavas
o sopro de teus avós?

Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
vejo os teus retratos,
seguro nos teus dezanove anos,
eu não existia, meu Pai já te amava.
Que fizeste do teu sangue,
como foi possível, onde estás?

António Osório, in 'A Ignorância da Morte'

Amo-te mto meu pai... ja to disse imensas vezes.. mas ainda não as suficientes.. AMO-TE
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Julinha disse.
Muita coragem do A.Justiça em compartilhar este poema "tão seu", connosco, aqui no blog .Quantos A.Justiça não sofreram,desanimaram,não teriam vontade de deixar tudo e voltar...voltar!
Ao ler tudo isto comovi-me,não só com o poema do A.Justiça como com todos os comentários, nomeadamente os das suas filhas e da Anabela Miguel, que também retrata parte da vivência daquela guerra e nos descreve o desespero de tantos homens.
Um Abraço
JúliaR
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Manuela Gama Vieira disse:
Nunca esqueci o sofrimento- por antecipação - de um Pai que ia assistir ao embarque dos militares que partiam…Dizia ele que se andava a preparar para o dia da partida do seu próprio filho. Chorava sentidamente, acenava com um lenço branco…
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Como se preparariam os jovens que partiam?
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“Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.”
Trova do Vento que Passa - Manuel Alegre
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Alfredo Justiça, a minha Homenagem por ter partilhado connosco um “lugar” seu, de tão íntimo.
Manuela Gama Vieira
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J.L. Reboleira Alexandre disse...
Os sentimentos de um miúdo de 20 anos enviado contra a sua vontade e a dos seus, para ambientes diferentes e hostis. Afinal, a maior parte de nós fomos os tais soldados, de que o «império se orgulha» ou tão apenas bandos de garotos deslocados, roubados precocemente ao seu meio ambiente, por via da vontade de uns quantos loucos que nos governaram tanto tempo?Vou por esta última opção.
O Alfredo escrevia poesia. Eu acabava a leitura em Português dos Irmãos Karamazov. E será que a bela Nani, que dormia no jardim do seu quarto, daquela pequena vivenda térrea, ali à Sagrada Familia em Luanda o chegou a ler, depois de, com os seus pais, ter sido, ela, deslocada para Portugal em Julho de 75?
E perguntava-me vezes sem conta o que fazia naquelas latitudes, 4 anos depois do Alfredo. Mas pior que isso, perguntava-me porque razão todas as Nanis de Luanda tiveram de abandonar a terra onde nasceram?
Bravo amigo, pela coragem que tiveste ao tirar cá para fora momentos tão intimos. Como já aqui foi dito, um dos bons momentos deste blog.Abraço.
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José Carlos Abegão disse:
Parabéns ao blogue do ERO, parabéns João Jales, por continuar a manter este blogue, independentemente do muito trabalho que te dá, parabéns pela contínua ligação que continuas a fazer entre os ex alunos do ERO e da Bordalo Pinheiro.
Embora nunca tenha sido aluno do ERO, não deixei de ter por lá muitos amigos, alguns dos quais reconheço nessa foto onde estão o Luis Rolim, o Hilário, o Rui Silva o Bento Loureço da Silva, o Zé Castro e mais alguns, e é com muito prazer que continuo a ler os diversos textos que a rapaziada da "minha época", aí publica. Boas referências para o "Naufrágio nos Mares do Talvai", do José Luis Reboleira, "Viagens a S. Martinho e à Nazaré", do Tó-Zé Hipólito, assim como este poema do meu ex-colega da Bordalo, A.Justiça.
Um abraço
J. Carlos Abegão
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João Ramos Franco disse:
Ao ler a “Carta enviada de Mueda em 1971 – Poema de Amor”, encontro um sentimento que muito respeito e admiro, para mais porque em mim é difícil encontrar durante o tempo que estive na guerra colonial anos antes (saí em 1967), em Angola.
Ainda bem que conseguiste escrever um “Poema de Amor”, numa situação da nossa vida em que é mais fácil escrever um de raiva e ódio.
Desse momento da minha vida recordo um único retrato de amor: “A Beleza da Natureza e o Povo indígena”.
Bem hajas por ter encontrado em ti espaço para este Poema.
Um abraço amigo
João Ramos Franco
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Luis disse:
Muito comovente e sincera esta descrição do estado de espírito do autor naquele momento.Curiosamente nunca aqui tinha aparecido nada sobre África nem a Guerra Colonial que eram assuntos tabus naquela altura mas sobre os quais já há certamente distanciamento suficiente para falarmos hoje.
Concordo com o Abegão,está aqui um dos bons posts do nosso blogue.Abraço.L
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RETRATO DE GRUPO

.foto enviada por J M Azevedo Santos

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Chegou despida e solitária, como se tivesse sido perdida ou abandonada por alguém... Sei que vivemos tempos em que nunca há tempo para um olhar nem uma palavra mas não podemos continuar a viver assim....

Falo da fotografia, claro, que chegou sem uma data, uma legenda ou uma identificação! Demos-lhe aqui guarida no Blog, cuidámos dela o melhor possível e aqui a apresentamos à comunidade para ver se alguém lhe quer dedicar a atenção e o carinho que certamente merece.

Aguardemos.

C O M E N T Á R I O S
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Salette Saraiva disse:
Também tenho esta fotografia. Foi um ano especial este, lembro-me bem, estávamos no 5ºano.
Houve alunos novos que chegaram: a Elisabete Bicho, a Isabel, a Maria José e o Luis Pinto Ribeiro que foi ... devastador para alguns corações da ala feminina...
Houve muitas saídas nesse ano, muitos jogos de futebol, algumas aulas ''ao ar livre” na mata!
Como é visível na foto, estamos vibrantes de emoção, são luminosos os nossos sorrisos!
Foi nesse ano, também, que começámos a “moda'” de ir estudar para o parque, junto ao Ténis. Manhã cedo, 8 horas, uma aragem fresca e brilhante, lá pousávamos naqueles bancos de madeira e ferro. Nós, os livros e os nossos corações que, algumas vezes e de forma inesperada, nos faziam distrair ao avistarmos um determinado ''estudioso''. Valiam-nos as tardes, em casa.
Foi esse, também, o ano da descoberta de alguns livros. Livros poderosos que nos marcaram para a vida. Mas, aí, o mundo era a casa da Nani, na rua do Jardim. Era o pai dela que os trazia de Lisboa, outras vezes o meu pai, éramos nós que os buscávamos na biblioteca … não importa , era a descoberta.
A Nani,a Carmo, a Natália, eu …
Enfim, lembro-me como ficámos....como direi, bouleverseés, com o Camus e com um livro chamado ''A Servidão Humana”, do Somerset Maugham.
Mas estou a afastar-me, completamente. Desculpem-me.
E, realmente, querido João Miguel, esta fotografia não necessita de quaisquer palavras.
É linda, irrepetível.
Estamos lá todos. Está lá tudo.
SS
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Nuno Mendes disse:
De trás para a frente e da esquerda para a direita:
Zé Castro, José Filipe, Manuel Branco, Gilberto Francisco, António Medina, Carlos Pires, Rui Silva.
Carlos Orlando, João Miguel, António Hilário, Luís Pinto Ribeiro, Anabela Ferreira, João Paulo Sousa, Amélia.
Isabel, Lisete, Ana Barosa, Salette, Maria João Botelho, Anabela Pimpão, ???, Olga Sousa, Irene. Helena Figueira, Carmo Franco, Alice Serafim, Ana Rebelo, Natália Pires, Teresa Arroja, Elisabete Bicho, ???, Isabel Corredoura, ???.
Nuno Mendes, Luís Rolim, Bento Silva, Joaquim Marques, Ferreira Nunes, Álvaro Pimenta de Castro.
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Manuela V P disse...
Das três meninas em falta, vai continuar a faltar uma - as outras duas, depois da Beta são a Ramira e a São José. Pois, eu já estava no 6º, mas muitos eram da minha turma - que bem me soube revê-los ...MVP
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Salette Saraiva disse...
Olá , João
Fantástica a memória do Nuno!!!
Gostaria de acrescentar que entre a Anabela Pimpão e a Olga está a Umbelina. Depois, entre a Elisabete e a Isabel C., está a Ramira. Agora o terceiro ´´???´´ é a million dollar question!!Sei que veio de Lisboa, nesse ano, para a nossa turma. Tinha uma irmã mais velha, acho que o nome dela era Maria José (Zé). Será? Nuno, aposto que a tua brilhante memória já lá chegou!
Beijinhos a todos. Salette
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Ana Nascimento disse...
Quanto à foto que abre o blog tens razão, eu sei o nome das meninas que faltam na foto, copiei a legenda e acrescentei–as (bold):
De trás para a frente e da esquerda para a direita:
Zé Castro, José Filipe, Manuel Branco, Gilberto Francisco, António Medina, Carlos Pires, Rui Silva.
Carlos Orlando, João Miguel, António Hilário, Luís Pinto Ribeiro, Anabela Ferreira, João Paulo Sousa, Amélia.
Isabel, Lisete, Ana Barosa, Salette, Maria João Botelho, Anabela Pimpão, Umbelina(a mãe era cabeleireira em frente à loja de loiças da minha avó), Olga Sousa, Irene.
Helena Figueira, Carmo Franco, Alice Serafim, Ana Rebelo, Natália Pires, Teresa Arroja, Elisabete Bicho, Ramira Matias Pimenta, Isabel Corredoura, Maria de São José (irmã da Antónia, a mãe era dos CTT).
Nuno Mendes, Luís Rolim, Bento Silva, Joaquim Marques, Ferreira Nunes, Álvaro Pimenta de Castro.
Beijinhos, Joãozinho
Ana N
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Luis disse:
Evocar estes tempos e estas pessoas como fez a Salete e recordar estes nomes como fez o Nuno são formas de eternizar um momento "irrepetível"...
Como sabes sou um admirador dos teus textos e dos posts do Blog em geral mas esta foto é igualmente grandiosa!Parabens ao João Miguel pela iniciativa.L
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J J disse...
O comentário da Salette, com as memórias a jorrarem perante uma fotografia (que ela até conhecia, mas que é diferente logo que é partilhada)é um exemplo emocionante do que este blogue também pode ser.
Tenho amigos e conhecidos na fotografia, julgo que três anos nos separam. Era um enorme fosso na altura, já não hoje.
A Ana Nascimento, como eu previ, conhecia TODA a gente, mas o exercício de memória do Nuno foi brilhante, sem dúvida. Idem para a Manela VP, cuja "visita" muito apreciei.
O Luis é de outra geração e observa tudo isto com alguma distanciação mas é curioso ler que também foi sensível ao ambiente que aqui se criou.
Julgo que falta um comentário, veremos se aparece...
JJ
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Guida Carvalho da Silva disse...
Admirável a memória de quem consegue identificar todos! Pois eu, apesar de reconhecer muitos nomes, dificilmente consigo relacioná-los com os rostos, já que estes ficaram esfumados pelo passar dos anos... tantos anos!! Muitos deste grupo foram da minha turma até ao quinto ano ... mas parece-me que esta foto deve ter sido tirada no ano em que eu deixei o ERO para vir fazer o sexto e sétimo ao liceu Filipa de Lencastre em Lisboa...
Ah, mas como este blog traz recordações!!! Grande iniciativa, parabéns aos autores e aos colaboradores!
Guida CS
(no ERO chamavam-me a «Guida Mesmo» :
-E tu, como é que te chamas?
- Eu, sou a Guida....
- Ah és Margarida!!...
- Não, não , sou Guida mesmo...)
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Ofélia Rodrigues disse...
Tambem tenho saudades dos meus tempos de colégio, Liceu e Faculdades... Saudades, porque foram tempos bons ou melhor muito bons e que poderei recordar naquelas ocasiões em que temos pensamentos... menos bons....mas, na verdade nunca estive na Escola Ramalho Ortigão... estive no colégio Académico Liceu Filipa....
Felicidades a todos. Ofélia Rodrigues
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Anabela Miguel disse...
Muito bom ver a foto enviada pelo João Miguel.Reconheço a maior parte daquelas carinhas "larocas", mas com a boa memória do Nuno consegui reconhecer mais algumas. Incrível como algumas fisionomias continuam as mesmas. Bons velhos tempos, sem dúvida alguma.......que bom revê-los!!!!
Quando a Salette evoca a chegada do Luís Pinto Ribeiro, que fez saltitar alguns corações femininos, posso dizer que o mesmo aconteceu quando o mano mais novo, o João, chegou à nossa turma! Sabemos bem como era quando um novato aparecia no colégio, e então se fosse giro, meu Deus!!!!!
Recordo que o livro "A Servidão Humana" também mexeu comigo. Foi-me oferecido na língua inglesa e, apesar do esforço, consegui chegar ao fim...
Beijinhos
Anabela Miguel
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Julinha disse...
Uma fotografia só, caída sei lá de onde! Quanto carinho lhe foi dado....começando pela Salette (que não reconheço), que a apanhou e não mais a deixou fugir! Veio outro e outro e todos a afagaram com a maior delicadeza e saudade.É assim o nosso ERO.
Eu sou um pouco mais antiga,mas não muito, e recordo muito bem alguns nomes e caras,outros não tão bem por várias razões.
Nos comentários,aparece a Guida C S ... pergunto se é irmã do Eduardo Artur ? Se é,eu sou da turma dele e pergunto por onde anda...que apareça,diga qualquer coisa, junte-se a nós!
Aqui há duas coisas em comum:somos todos Ramalhões e também um livro que não mais me saiu da mente, a Servidão Humana,mas já eu estava na Faculdade.
Ora,parece que todos adoraram rever-se na foto,não foi? Muitos terão a oportunidade de a repetir no próximo ano, 2011! Que acham? Vão pensando nisso...
Um abraço para todos.
Júlia R
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Alfredo disse...
Aqui estão mais dois nomes que fazem parte do meu horizonte de memórias, não especificamente do ERO, mas também, pois fui aluno da Bordalo e contemporâneo - somos pouco mais ou menos da mesma idade, - mas sim da Rua do Cinema em S. Martinho do Porto na primeira metade dos anos 60.
A Guida e o Eduardo, dois irmãos com quem passei muitas tardes de brincadeira no quintal da sua casa. Recordo a Guida, uma menina loira, linda de morrer, que provocava “paixonites” nos jovens da época e o Eduardo, grande companheiro de jogos e brincadeiras. Deixei de os ver em meados dos 60’. Quando acabei o curso rumei a Lisboa, mais estudo, novos amigos, trabalho, serviço militar, Ultramar e o regresso 6 ou 7 anos depois… ainda perguntei por vocês mas tinham também deixado a vivência de S. Martinho e… passados que estão cerca de 45 anos eis que, através de um comentário no Blog do ERO, do qual sou leitor diário, dias até com mais de uma visita, se entrechocam com os meus olhos os vossos nomes e simultaneamente os vossos rostos e fisionomias se apresentam à memória.
É bom recordar. Que estejam de perfeita saúde é o meu desejo…Um abraço
A.Justiça
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Fátima disse...
É inquestionável o gosto de seguir, melhor dizendo, acompanhar este Blogue.Tenho assistido, e poderia dizer de camarote, mas não…na plateia, em Vossa companhia, ao desenrolar e desfiar de estórias e memórias, absolutamente deliciosas, da Vossa Juventude.
Repeti-lo-ei “até que a voz me doa” que o Vosso Grupo é inequivocamente Maravilhoso…as excelentes capacidades narrativas, criativas, literárias, musicais, artísticas…transpiram aqui por todos os poros!Os fidedignos retratos de Época são igualmente deliciosos…transportam-nos àquela mesma época, quase que a tornar-nos personagens activos daquele filme, como se nele tivéssemos participado.
O “Argumento” dos Automóveis é brilhante! Pena que as meninas não tivessem tido a Liberdade de participar em tão hilariantes Aventuras, ainda “do tempo” em que a Autoridade Parental se impunha à séria e à Autoritária, sem apelo nem agravo. Felizmente não tive essa experiência…Cresci Livre, com o “Manual de Instruções” devidamente interiorizado, mas que inflacionava em dobro a Responsabilidade, estando “por minha única e exclusiva conta” evitar a “queda na asneira”.
Estive quase “tentada” a partilhar convosco uma estória que me ligava também a um automóvel e acompanhá-la de uma fotografia minha, quando era bem pequenina, mas revirei o Baú e não a encontrei…
Uma Nota Especial ao Excelente dinamizador deste Blogue – João Jales : a sua persistência, o seu Efeito Catalizador de energias, o Bom Acolhimento que proporciona às visitas desta “Sala de Estar”, as sequentes mensagens, contrariadoras da preguiça, que nos deixa na nossa caixa do correio, sem prejuízo das suas diversificadas capacidades, inúmeras vezes aqui enunciadas…a Solidariedade que mantém com outros blogues.
João, o meu Sincero Bem Haja por tudo o que fica exposto! Stunning my Friend!
Bjs
F. Clérigo
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J L Reboleira Alexandre disse...
Pensar que este local de encontro esteve para fechar! A sequência de comentários a uma simples foto é a prova de que o blog do ERO ainda está na sua jovem adolescência. E como sabemos, é nesta fase da vida que as melhores coisas acontecem.
Ver e ler o comentário da Salette, relembrar a espantosa memória do Nuno (e essas histórias pessoais, onde andam elas...?),os comments/posts do Alfredo, e da F. Clérigo, e todos os outros que já passaram por aqui, dão-nos a certeza do que mencionei no inicio deste meu pequeno texto.
E a forma como o JJ gere as publiçações ? Não, não venhas com falsas modéstias, se tudo isto aqui se passa, ao teu esforço e dedicação o devemos. Obrigado meu amigo.
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Há quanto tempo! Naquela altura eu era a Carmo Franco.
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DIAGNÓSTICO REDUNDANTE

por José Manuel Franco



“Alô,alô,sr.Bombas.Tem à sua disposição o bilhar marcado.”A voz nasalada do velho Afonso soava ainda mais roufenha dado o estado decrépito da instalação sonora da sala de bilhares do café Londres.
O café Londres,convém esclarecer,com a sua arquitectura interior típica dos anos sessenta em que sobressaía a famosa porta giratória, era o ponto de encontro da malta que,tendo vindo estudar para a Universidade em Lisboa,revivia naquele espaço a Zaira,a Soraia,o café Trindade e o café União,consoante as respectivas origens geográficas.
A sala de jogos então, com os seus bilhares clássicos e ,sobretudo,o snooker ,emanava um irresistível magnetismo que atraía para aquela cave um pouco escura e permanentemente sob uma nuvem de fumo de tabaco, aqueles que, como eu, preferiam as artes do “massé”, das três tabelas e da seca aos mistérios profundos das séries de Fourier, do Princípio da Incerteza de Heisenberg ou do desenho em perspectiva de qualquer chumaceira.
As tardes eram assim ocupadas num são(apesar do tabaco) e agradável convívio,onde, às discussões sobre as incidências do jogo,quase sempre ganho pelo Bernardino(o Bombas) ou pelo António,se juntavam as conversas sobre alguns dos problemas que então constituíam os temas favoritos daquele grupo de amigos-os mistérios do sexo oposto,a crise da habitação(as velhas ,a quem se alugavam os quartos em que quase todos nós vivíamos ,não nos deixavam levar raparigas lá para as suas casas), a música, o cinema e, num plano sério que não cabe no âmbito desta crónica burlesca, a política em geral, as lutas académicas e a ameaça sempre presente da guerra colonial.
Corria assim, animado e em permanente descoberta da vida lisboeta, o primeiro semestre do ano lectivo de 1972-73, quando após o tradicional e retemperador fim de semana em casa dos pais, o Papoila anuncia que vai ter lugar o baile de finalistas do Colégio das Caldas,no Casino.



Quem vai, quem não vai e o Papoila,meu velho amigo e colega de escola primária,resolve logo ali a questão convidando o António e eu próprio a passar o fim de semana com ele na casa que os pais tinham(e têm) no Bom Sucesso.Nem era preciso tanto! Naquela idade o verbo mais fácil e gostosamente conjugável era, sempre, “ir”.
O baile desse ano ,para além das sempre atraentes jovens caldenses,tinha bastos e variados motivos de interesse.Eram finalistas encartados um grupo de amigos e companheiros de paródia,do Ferro Velho,dos bailes de verão do Casino,das festas de aldeia e de tudo aquilo que constituía a animação pública então à disposição de rapazes de 17 ou 18 anos.
Ainda por cima,o conjunto cabeça de cartaz era o 1111,então no auge da sua fama.Dava-se a circunstância de o Tó-Zé Brito estar a cumprir o Serviço Militar Obrigatório nas Caldas e ,por deferência para com os seus amigos,ter feito um preço super especial para actuarem nesse baile(é o que se chama sorte,se bem me lembro, no meu baile de finalista do Liceu de Leiria,no ano anterior,pagámos uma fortuna para os ter lá).Foi a sua última actuação enquanto integrante do 1111,logo a seguir desertou e fugiu para o estrangeiro,escapando assim à guerra colonial.
Chegado o tão esperado Sábado,o António e eu arrancámos de Rio Maior direitos às Caldas. Após o inevitável interlúdio na Zaira e algumas voltas à Praça,em companhia do Papoila, dirigimo-nos ,alfeiros e esperançados nalgum encontro bem sucedido com uma das muitas finalistas e afins,ao Casino.
O ambiente era o habitual neste tipo de festas, eufórico, divertido,agitado, barulhento,ansioso, convivial, cosmopolita. Toda a gente a procurar divertir-se de uma forma ou de outra, dançando, ouvindo música, conversando, observando, namorando, circulando entre a sala de baile,os compartimentos anexos e o bar.E neste último,fazendo um ar tão adulto e experiente quanto possível, bebendo. Bebendo muito.
Foi aqui e deste modo,que tiveram lugar os acontecimentos que marcaram o até então relativamente calmo Baile de Finalistas do Externato Ramalho Ortigão,1972-1973!
Como as quantidades servidas em cada copo,fosse do que fosse,eram claramente insatisfatórias, o Rui arranjou uma garrafa de whisky (suspeito que em prejuízo da garrafeira paterna) e, após alguma partilha com o António, dirigiu-se já muito titubeante para a casa de banho dos homens onde se fechou firmemente agarrado à sua garrafa. Foram precisas,segundo me contam, prolongadas e pacientes negociações e grandes quantidades de café, para que voltasse a ser possível utilizar a indispensável instalação.
Quanto ao António, felizmente nada habituado aos excessos de álcool,passada a primeira fase de euforia e disparatada agitação,caiu redondo no chão,inanimado e mais branco que a cal.
Nem água,nem estalos na cara ,nada o acordava.Assustados,o Papoila pegou-lhe nos braços e eu nas pernas e assim fomos a correr ,atravessando a Praça e dirigindo-nos ao Montepio para lhe ser prestada assistência.
Às tantas da manhã,o Montepio estava no sossego total,pelo que logo que ali chegámos deitámo-lo numa marquesa e entrámos na sala das urgências.
O médico de serviço entrou logo de seguida ,olhou para o António e perguntou-nos o que se tinha passado,ao que respondemos que tinha desmaiado.
Ao debruçar-se sobre ele o inevitável cheiro a álcool denunciou de imediato a situação,tendo o atencioso médico proferido o diagnóstico correcto:
-Eh pá ,o que o vosso amigo tem é que está bêbedo !
Nesse momento,despertando do torpor que o tinha transformado num pesadíssimo fardo, soerguendo-se sobre um cotovelo,com a cara ainda um pouco descomposta e com uma voz entaramelada a que nem sequer a justa indignação por tão básico diagnóstico conseguia retirar algum rrastamento,o António disparou:
-Ora p***a,isso também eu sei!Para me dizer isso não é preciso um médico.
E desmaiou.

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José Manuel Franco
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P.S.-Os acontecimentos são verídicos,os personagens autênticos,as saudades imensas...alguns nomes propositadamente vagos.

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C O M E N T Á R I O S
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Julinha disse:
Acabei de ler mais um texto no nosso fabuloso blog e confesso que me pareceu estar a rever a realidade tal como ela se apresentou.
Não conheço o autor,ou penso não conhecer,mas digo-vos que gostei muito desta descrição.Se a mim me está a divertir,como se apresentará aos intervenientes? Os que a retiveram na memória,porque em alguns (pelo menos um) deve ter ficado apenas na penumbra...
Mas pergunto eu agora?Que medicação fez o "desgraçado" ? Será que a seguir teve um acesso de espirros ! Ensinaram-me que nestas situações que apareciam ás tantas da "matina" davam uma injecção intra muscular de Vitamina C. Oh, se doía !!!
Parabéns ao Zé Franco !
Júlia R
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Luis disse:
Sempre correu muito álcool nos bailes de finalistas e em todas as festas em que os garotos e garotas de 17/18 anos fizeram.Era uma coisa inevitável e julgo que as festas públicas,como esta no casino,nem eram as mais "regadas" pois não?
O José Franco já nos tinha dado uma história passada precisamente no casino,se bem me lembro,mas eu não me recordo dele.
Parabens pelo post.L
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jorge disse...
já não me lembro deste baile de finalistas mas já alguém aqui tinha referido o 1111 como tendo actuado num.as coisas não mudaram muito,embora nesta altura a vigilância dos adultos fosse menor do que no meu tempo em que íamos todos de gravata!gostei.j
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Isabel Esse disse...
Não conheci os bilhares nem o Café Londres,as meninas não iam a esses sítios,pelo menos que eu me lembre,mas são sempre agradáveis de ler estes textos sobre o Casino e os bailes.Só as bebedeiras é que não eram agradáveis nem para quem as apanhava nem para quem assistia!!!
A história está engraçada e tem razão o António,para fazer aquele diagnóstico não era preciso ser médico!IS
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JJ disse:
Apreciei este post porque retrata bem a vivência de uma época, a estória é divertida e os personagens se movimentam com inegável realismo, factor fundamental numa crónica deste tipo.
Tenho que acrescentar que a referência ao Londres, onde “vivi” durante a maior parte da década de setenta (anos ricos em vivências, loucuras e amizades, algumas que ainda hoje duram) me foi particularmente grata… e há tantos episódios, quem sabe um dia…
O Franco é já um colaborador habitual deste Blog , a narrativa respira o à vontade de quem recria (recriamos sempre…) o passado com saudável prazer. Pela minha parte, obrigado. JJ
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ESTATÍSTICAS - A última semana no Blog


Estatísticas de uma semana


Visitas................................... 2.282
Visitantes.............................. 1.567
Média diária de visitas .............326
Média diária de visitantes........ 224

Muitos dos leitores têm perguntado para que serviu a introdução do "Statistics" no final da página inicial do Blog. Está aqui a resposta, com um gráfico e os resultados da última semana, para que possam compartilhar a informação de que dispomos.
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Neste caso mostramos o número de visitas - 326/dia (o número de vezes que o Blog é acedido) e o número de visitantes - 224/dia (cada um dos leitores só conta uma vez em cada 24 horas, mesmo que aceda n vezes). Estes números têm estado mais ou menos estabilizados ao longo dos últimos seis meses.
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Como curiosidade saliento que durante o fim-de-semana temos menos visitas do que nos dias úteis.
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O "Statistics" permite-nos também saber de que região ou país são os visitantes, quanto tempo ficam no Blog, quantas e que páginas visitam, que posts preferem, que palavras usaram na busca para encontrar o Blog, etc.
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Este é um instrumento muito útil na análise da reacção ao que aqui fazemos, mas o grande indicador/motivador para todos os colaboradores (e já somos muitos) não são estes números e sim os posts e comentários que são aqui recebidos. Nunca esqueçam isso.
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JJ

NAUFRÁGIO NOS MARES DO TALVAI

Naufrágio nos «Mares do Talvai»,
no inicio da década de sessenta:


Como a velha Quinta do Talvai teve, em épocas mais gloriosas, a característica de ser o maior empregador da aldeia na cultura intensiva do arroz, nos tempos da minha jovem adolescência era vista como o local onde muitos dos pais dos miúdos da terra tinham ganho o sustento para muitos de nós. Se as histórias que os mais velhos nos contavam, sobre a forma como na altura se trabalhava, sobre as relações entre patrões e trabalhadores, ou entre os nativos da terra e os trabalhadores migrantes, os «bimbos», como ainda há bem pouco tempo eram chamados, muitos deles acabando por lá ficar através do casamento, não eram propriamente de embalar, o facto é que toda aquela área húmida do Chão da Parada, tinha sobre nós, miúdos, uma atracção muito especial.

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Quem passa hoje na estrada alcatroada para Salir, nota que naquela zona, os terrenos agrícolas estão num nivel inferior ao da via, hoje de alcatrão, naquele tempo de pedra e areia. A razão para a sobre-elevação da via é óbvia. Trata-se dum local de inundações frequentes.

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Ora, sendo a maior percentagem de terrenos agrícolas da aldeia possuída pela Quinta, todos os outros habitantes eram de forma geral proprietáriios de pequeníssimas parcelas de terra, geralmente de boa qualidade, mas tão distantes umas das outras, que o dia era praticamente perdido nas lentas viagens de burro de e para o brejo, os camarotos, as pôças ou o arneiro-pequeno da estação.

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Terra madrasta, como muitas outras do Portugal do inicio da década de 60, muitos dos homens adultos, viam que não seria ali que poderiam criar condições razoáveis às esposas e aos filhos. A solução era partir. Alguns atravessaram os Pirenéus, a salto, mas a maioria dos homens do Chão da Parada, emigravam para o mar. Assim, nomes como Santa Maria, Vera Cruz, Império, Infante Dom Henrique, e outros, que serviam de
êlo de ligação entre a Metrópole e as Colónias, para as gentes da terra eram sinónimos de ganha-pão e de pequenos luxos exóticos que de outra forma seriam inacessíveis às gentes humildes da minha aldeia. Basta pensar no prazer que eu sentia, quando, ao abrir as malas de meu pai, lá via umas bananas,uns ananases, algumas barras negras de puro chocolate de São Tomé, ou, luxo supremo, rolos de papel higiénico. Para não mencionar os relógios de marcas esquisitas, pequenos rádios portáteis adquiridos nos portos francos das Canárias (isto dos Off-Shores são história antiga), ou objectos de mais valor, como aconteceu com um dos meus ex-colegas da Bordalo, que, se nos ler se vai reconhecer. É que ele teve até direito a uma mota Honda de 50 Cms, a 4 tempos, vinda directamente do Japão, que debitava um som melódico maravilhoso, em nada parecido com o das nossas ruidosas Casal ou Zundapp, a 2 tempos, que faziam um barulho ensurdecedor. Finalmente, para as gentes da terra, partir, não de um aeroporto qualquer, mas do porto de Lisboa, era a coisa mais natural e fazia parte de nós.
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Como consequência desta forma de vida, eram as esposas, mães, que geriam a economia familiar, e faziam o melhor que podiam para, sòzinhas, e geralmente iletradas, educarem os filhos.

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A nossa vida de miúdos a partir dos 5 anos, chovesse ou fizesse Sol, era passada na rua. Acabadinhos de chegar da escola, aquecido e comido o prato de sopa que ficara da véspera, se houvesse «cheia» no Talvai era certo e sabido que o resto das nossas tardes seria passado a ver a água, sempre à espera que a mesma galgasse a estrada, ou então a construir barragens altíssimas em areia, no local onde hoje se encontra o edifício da Associação.

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Teria eu os meus 12 ou 13 anos, numa dessas tardes, após animada conversa com os outros garotos da minha idade sobre viagens de barcos e bateiras, eis que avistamos um velho bidão de gasóleo abandonado, num dos terrenos alagados, junto à ponte da Vala Real (hoje insignificante e quase invisivel, no meio da vegetação intensa). Incapazes de refrear impulsos próprios de miúdos daquela idade, logo ali tomàmos a decisão de ir buscar o improvisado barco e sentirmos o prazer e a liberdade de dominarmos aquilo, num equilibrio mais que instável, sobre as águas barrentas que cobriam a várzea. Sendo diminuto o espaço interior, cada viagem seria feita apenas por um passageiro de cada vez. Foram vividos momentos de prazer intenso, nas nossas curtas viagens de alguns metros, com o bidão bem dominado com o auxílio de um longo pau, que fincávamos no chão de lodo para o movimentarmos sobre as águas. Sentiamo-nos, qual Simbad, o maior de todos os marinheiros. De cada vez que partiamos ou voltávamos à margem, era como se o barco onde os nossos pais andavam, acostasse nos cais de Alcantara ou da Rocha do Conde de Óbidos.
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Mas o fim estava anunciado, e poderia ter sido bem triste, quando, estando eu em plena euforia no meio das águas turvas do «Atlântico», o barco por efeito de um qualquer movimento mais brusco começou a meter água e, claro, afundou. Encharcado dos pés à cabeça, lá me consegui dirigir para terra firme e sentei-me ao Sol de Novembro para ver se conseguia secar as roupas, antes de voltar para casa.
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Mas como os adultos têm sempre a mania de estar onde não devem, passa na altura uma conterrânea que, do alto do seu assento na albarda do burro, verificou que alguma coisa de errado se passava com o Zé Luis e, claro, fiquei logo ali a saber que a Mari Reboleira, minha mãe, teria conhecimento do sucedido. Fiquei naturalmente um pouco precocupado, mas como ainda andei mais umas horas com a roupa vestida, cheguei a casa já a noite ia alta mas relativamente bem seco.
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Ouvi um raspanete dos grandes. Eu que normalmente apanhava as gripes todas, nesse ano seria ainda pior. E depois, o que não ajudou nada foi mesmo a tentativa de ter tentado enganar a minha mãe, não lhe contando a verdade desde o inicio. E a sentença foi lida naquele instante:

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- Zé, sabes que eu nunca te bato, mas quando o teu pai regressar de viagem daqui a duas semanas ele vai ter que saber, e aí não me responsabilizo pelas consequências.

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É claro que desta vez, à chegada de meu pai não fui como habitualmente, vasculhar as malas à procura de prendas tropicais, nem vou aqui contar como se passaram as coisas nos momentos que se seguiram.

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Penso que no dia seguinte não fui à escola. É que a viagem para as Caldas ainda se fazia na altura numa velha bicicleta pasteleira, e o selim era de cabedal bem duro !

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O meu pai tem hoje 89 anos, e por vezes ainda se fala nesta aventura. Nem ele nem eu a esquecemos. O meu gosto pela água manteve-se no entanto intacto e o prazer que me continua a dar o ouvir bater as ondas na terra é o mesmo. Mas viagens em bidões de gasóleo, garanto-vos que nunca mais fiz.
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J. L. Reboleira Alexandre
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Comentários a NAUFRÁGIO NOS MARES DO TALVAI

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Artur R. Gonçalves disse...
Um texto com as características do «Naufrágio nos mares do Talvai» não necessita de grandes comentários. Todo ele é auto-suficiente e fala por si.
A permanência do Zé Luís nas terras banhadas pela margens ocidentais do grande mar oceano não beliscou em nada a verve com que nos descreve a história trágico-marítima da sua infância. Fá-lo com grande segurança estilística e domínio de língua. Melhor do que muitos daqueles que permaneceram na margem oriental desse mesmo mar oceano, em contacto directo e continuado com o idioma que mamaram no berço. Espantoso.
As minhas vivências de pouco mais ou menos 17 anos intermitentes nas CdR nunca me motivaram a conhecer em pormenor as freguesias rurais que formam o meu concelho natal. Tive e continuo a ter uma existência muito urbana. Desconheço os benefícios do campo e não me vejo a viver num outro cenário que não seja o da cidade. Terei atravessado o Chão da Parada uma meia dúzia de vezes (se tanto) ao longo de toda a minha permanência no oeste estremenho. A minha família não tem raízes na região, pelo que até as férias eram passadas noutros quadrantes geográficos. As praias eram outras, os campos eram outros. Visualizo, assim, os Mares do Talvai como um espaço perfeitamente exótico. No sentido exacto do termo: singular, estranho, raro.
A leitura das desventuras do menino que esperava ansiosamente o regresso do pai dessas viagens pelo mundo repartido tocou-me muito particularmente. Fiquei com vontade de o ouvir contar outras histórias de vida vivida. Ficar a conhecer melhor esse meu colega de escola que só começo a conhecer com algum pormenor passados tantos anos e com todo um mar de permeio. Um espaço imenso a separar-nos / juntar-nos através destas navegações virtuais tão mais eficientes do que muitas das viagens reais que constituem a nossa caminhada pela vida.
Fico a aguardar. Até breve...
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Ana Braga disse...
Gostaria de agradecer a J.L Reboleira Alexandre por esta oportunidade que me deu de ler um magnífico texto, cuja profundidade e alcance não se limita ao aparente relato da sua aventura infantil.
A par da realidade das vivências, nem sempre doces, da sua meninice, apresenta-nos uma descrição nua e crua da vida rural dos anos sessenta. Senti-me emocionada com as suas palavras e voltei atrás no tempo. Fui uma criança, talvez mais afortunada do que o autor, no diz respeito às condições económicas em que cresci, mas também vivi toda a minha infância e adolescência numa aldeia, onde eu e os meus irmãos frequentámos a escola, convivemos indiscriminadamente com todos os meninos e meninas da nossa idade, explorámos todos os recantos dos campos, dos pinhais e da beira do rio e, em plena liberdade, corremos à solta, levados pelos sonhos. Ora piratas e índios, ora polícias e cowboys, invariavelmente criaturas aventureiras e corajosas, que retardávamos o regresso a casa e a passagem do sonho à insípida realidade. Para alguns, a realidade era mais do que insípida era mesmo muito dura e nós, embora sendo crianças, tínhamos consciência disso e aprendemos cedo a ser solidários, muito antes de conhecermos sequer tal palavra.
Ainda bem que as condições de vida mudaram e que os meninos de hoje têm acesso a uma existência com muito mais qualidade do que aquela de que usufruíam os seus avós, mas duvido que o melhor brinquedo já feito, comprado e pronto a usar, dê mais gozo do que uma viagem pelo “Mar do Talvai”, dentro dum bidão.
Ana Braga
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Alfredo disse...
Excelente Zé Luís
Soberbamente bem descrita esta tua aventura “nos mares do Talvai”. Fizeste-me reviver esses tempos de rigorosos invernos trazendo-me à memória, aquele particular inverno em 1966, que destruiu a ponte de madeira na Estrada Nacional em Tornada e a ponte sobre o rio de Salir na estrada Salir - S. Martinho, sobre as quais já referi numa estória que escrevi para o blog da Escola.
E esta foi uma data que jamais esqueci porque nesse dia outro acontecimento marcou o nosso passado pois foi o dia em que “Os Magriços”, depois de estarem a perder por 3-0 com a Selecção da Coreia dos Norte, deram a volta ao resultado muito por acção do sempre recordado herói “Pantera Negra”.
Invernos esses em que S. Martinho se tornava num istmo só acessível pelo lado da Nazaré pois os campos da Quinta do Gama, Vale do Paraíso, Alfeizerão e Quinta do Talvai no Chão da Parada, por um lado e Salir do Porto por outro, até aos arredores de Tornada ficavam ligadas por água.Crescemos nesse ambiente de embarcadiços, que na nossa zona formava um vasto triangulo que comportava Tornada, Nazaré e S. Martinho onde se incluíam todas as aldeias de permeio.
Mas isto também já faz parte do passado, no tempo em que os comboios circulavam na linha do Oeste e paravam em apeadeiros e estações… agora nem em estações!Um abraço amigo
A.Justiça
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Antonio Jose disse...
Belo texto, que me toca de sobremaneira porque a minha pool genética também tem a ver com esse lugar. O meu bisavô era do Chão da Parada e emigrou para o Pará com 13 anos, regressando com 40, o meu avô teve um casal no Bouro e imagino que muita gente com raízes aí é meu primo distante.
Os jovens de hoje não podem imaginar aquele Portugal dos anos 60 de que nós nos lembramos.
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Luis disse...
Muito bom,mesmo MUITO bom este post.
Um retrato de uma época que todos vivemos mas que nem todos recordamos damesma forma.E São Martinho,Tornada,Alfeizerão eram aqui tão perto e eram tão desconhecidos para a juventude urbana?
Parabéns José Luis(que não conheço)este é um grande momento deste blogue!L
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ana lucia disse...
Óptimo relato de um época que muitos miúdos e alguns graúdos de hoje não tiveram o prazer, sim prazer, de saber como foi.
O meu pai contava-me muitas das suas peripécias de miúdo, eram como um embalar em recordações coloridas de um outrem cheio de nostalgia.

J J disse...
Esta aventura, apesar de não ser "motorizada", encerra com brilho esta série sobre trangressões. Curiosamente o autor parece ter sido o "herói" que saiu mais penalizado de todas elas...
Este post é um emotivo retrato de uma infância certamente com algumas dificuldades, mas de que o autor guarda boas recordações e transparentes afectos. Guarda e transmite com aparente facilidade, como podemos ver (ler) mais uma vez neste blogue.
Magnífico enquadramento social, económico e geográfico da narrativa, é um privilégio contar com o Zé Luis como colaborador deste blogue. Um abraço.JJ
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vitor b disse...
Gostei muito deste post.Já outros comentadores aqui referiram o excelente casamento entre a história que é contada e a descrição dos tempos em que se passou.
Vejo os posts do JJ como se fossem filmes de aventuras,vejo os do José Luis como se estivesse a contemplar um quadro com vários planos:as pessoas,depois as casas e caminhos,ao fundo o horizonte e o mar...
Excelente,Parabens!!!Vitor
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Não vos vou falar, novamente, do meu conhecimento da envolvente rural de Caldas da Rainha e de que a maioria dos homens do Chão da Parada, e outras aldeias, emigravam para o mar.
Transcrevo umas palavras que o Zé Luís escreveu como comentário no meu blogue (Estar Presente):
"Olha João afinal temos mais coisas em comum. É que se a comida era boa no Vera Cruz quando regressaste de Angola agradece ao meu pai. Se não era desculpa-lhe que a culpa não era dele. Foi muitos anos cozinheiro nesse navio e veio para o Canadá exercer a mesma profissão quando o barco encostou. Apesar de hoje estar com 88 anos (em Maio 89) ainda se lembra perfeitamente dessa época. Das melhores da vida dele.Abraço.Zé Luis.25 de Janeiro de 2009"
Um abraço amigo do
João Ramos Franco