ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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OS PROFESSORES DO ERO - 1953/60

por Jaime Serafim

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Iniciei as aulas no Externato Ramalho Ortigão no dia 1 de Outubro de 1953 – o Director era o Dr. Manuel de Oliveira Perpétua. Eu, um rapazeco vindo da aldeia, tímido e envergonhado, achava-me inferior aos meninos finos da cidade, muito mais espertos que eu. Conheciam muitas coisas e tinham vivências em muitos aspectos diferentes das minhas. Achava-me um pobre de Cristo. Assim, procurei ficar sempre sereno, não dar nas vistas e alinhar, mais ou menos discretamente, no que sabia e podia. E não levou muito tempo para que me sentisse confortável e estimado naquela turma.
E os meninos finos eram: o João Calheiros Viegas, o João Manuel Coutinho, o Alberto Barbosa, o Mário Isaac, o José Maria Sales Henriques, o Adérito Hernani, o António José Valente (meu colega de carteira), o Carlos João Simões, o Emídio Couto… As meninas finas eram: a Dulce Rosa, a Casimira Barros, a Teresa Caldeira, a Maria do Rosário Gil…
Ao longo dos anos, como num comboio, foram entrando mais uns e saindo outros. No 2.º ano entrou a Auta Amélia Cordeiro (Tamé), a Ilda Fortunato… No 3.º a Maria Helena Capristano, a Lucinda o António José Ventura Figueiredo… No 4.º a Maria João e o Virtudes. No 5.º a Celeste Samagaio, a Noélia, a Esperança, a Laura, o Cipriano, o Capataz Franco, o Freire, o Carlos Honório…
Provavelmente esqueci alguns, a eles peço desculpa, mas já foi há quase 500 anos e a minha memória já não é o que era.

1.º ano - 1953/54
No primeiro ano tivemos como professores: Dr.ª Lúcia em Português, Mme. Irene Albuquerque em Francês, Dr.ª Maria Luísa Luz em Matemática e Ciências Naturais, Esc. Macário Diniz em Desenho, Sr. Carlos Silva em Canto Coral, o Capitão Hipólito a Educação Física e o Padre Tobias em Religião e Moral. As meninas tinham Lavoures com a D. Anita.
Um conjunto de professores simpáticos e muito empenhados. Já me referi em outro texto ao pavor que eu tinha da D. Lúcia, que eu achava ter um ar feroz e se atiraria a mim a qualquer momento, mas isso não chegou a acontecer. Acho que foi o único professor que me meteu medo – devia ser impressão minha, mas nunca se sabe…
A Dr.ª Maria Luísa só esteve no Externato neste ano. Creio que tinha o curso de Agente Técnico de Engenharia. Ensinava bem, com muita serenidade e sempre com um leve sorriso.
A Mme Irene Albuquerque já foi referida por vários bloguistas e por mim também. Sempre impecável na sua forma de estar, de ensinar, de incentivar…
Numa das primeiras aulas de Francês, a Mme Albuquerque fez um ditado. (Naquele tempo faziam-se ditados!)
As palavras eram as aprendidas na aula anterior e que tinham a particularidade de formarem o plural com um “x”. A Mme ditou pausadamente “bijou, chou, hibou, genou… “ sublinhando sempre “virgule” entre as palavras.
Eu escrevi “bijou virgule chou virgule hibou virgule genou virgule…” e ia pensando: que raio de coisa esta de os franceses escreverem tantas vezes a palavra “virgule”!
Só mesmo no fim, e estafado de tanto escrever “virgule”, descobri a minha palermice e risquei todas as “virgules” e substituí por “,” ainda a tempo de entregar o ditado, para correcção. Uf!

2.º ano – 1954/55
No segundo ano, passámos a ter Português com o Dr. Perpétua. A Dr.ª Lúcia, para meu descanso, tinha ido trabalhar para Lisboa, no Colégio Moderno. A Ciências Naturais tivemos a Dr.ª Teresa, a Matemática, o Dr. Azevedo e a Desenho e Educação Física, o Capitão Hipólito.
As aulas de Canto Coral eram dadas em conjunto - primeiro e segundo anos. O facto de ser uma turma enorme e uma disciplina não sujeita a classificação, fazia com que as aulas se desenrolassem num ambiente turbulento, muito embora o Sr. Carlos Silva fosse um senhor de elevada competência, muito educado, tentava ensinar um pouco de música, mas naquele ambiente era difícil. (Mesmo assim, ainda consegui aprender alguma coisa). Cantávamos (?) a “Pêra Verde “ e “Portugal é Lindo” – sempre as mesmas, ao longo dos 5 anos em que tivemos Canto Coral.
Pedro Albuquerque – Oh Sr. Carlos Silva, porque há uma nota chamada “sol” e não há uma chamada “lua”?
Sr. Carlos Silva – Sabe porquê? Porque para isso teria de haver também uma nota chamada “parvinho” e outra chamada “doidinho”, percebe?
No fim do ano fomos fazer exame ao Liceu de Santarém. Ficávamos lá durante as provas escritas. Todos os dias estava presente, para apoio, um professor do Externato, mais ou menos de acordo com a disciplina visada no exame desse dia. Como éramos ainda uns garotos, as nossas mães também iam connosco. Era um período muito agradável, de grande convívio entre nós e também entre as nossas mães. Cimentaram-se aí muitas amizades.

3.ª ano – 1955/56
Agora Já no 2.º Ciclo, como se dizia na altura, passávamos a ter 9 disciplinas para classificação e mais três ou quatro de complemento, digamos assim. Era pesadote!
Tivemos a Português a D. Maria Xavier, a Francês e a Inglês a Mme Irene Albuquerque, a História e a Geografia o Dr. Manuel Perpétua, a Ciências Naturais, Físico-Químicas e Matemática, a Dr.ª Margarida Ribeiro, a Desenho e Educação Física, o Capitão Hipólito (penso que já era Major), a Canto Coral, o Sr. Carlos Silva, a Religião e Moral, o Padre Covões, mais conhecido pelo Sr. Vigário. As meninas, claro, continuaram a ter Lavoures com a D. Anita e Educação Física com a D. Rosa.
A Educação Física das meninas era dada num salão de rés-do-chão de um prédio na Rua Sangreman Henriques, onde hoje está uma Farmácia. Foi nesse salão que, por mais que uma vez, a nossa turma levou à cena peças de teatro, encenadas e montadas por nós.
Num texto que escrevi anteriormente , já me referi à importância que teve para mim a entrada da Dr.ª Margarida. Para não alongar este, não vou fazer mais alguma referência a esta grande Senhora, muito embora houvesse ainda muito mais de bom para dizer.
A Sr.ª D. Maria Xavier era uma senhora já com alguma idade e era considerada a maior sumidade, em Caldas, em Português, Latim e Grego. Mesmo os mais ilustrados da cidade, quando tinham dúvidas sobre a forma de escrever ou interpretar uma palavra, um texto, uma declinação… era consultada a D. Maria Xavier. Nunca consentiu que a tratássemos por Dr.ª. Era meiga e afável, tratava-nos por meus amores, minhas flores, ou meus filhos… Mas era muito exigente – ensinava muito bem, mas exigia muito – não era fácil, era mesmo impossível, com ela obter uma nota alta. Mas foi a melhor professora de Português que tive. Se não aprendi mais, foi porque não teria aptidões para tal, mas lá que me ensinou muito, ensinou.
Aula de entrega de pontos corrigidos (testes, como se diz à moderna)
D. Maria Xavier – Mário Isaac, meu filho, fizeste muitos progressos, estás a melhorar muito, este ponto está bem melhor que o anterior…
Mário Isaac – (glup!), (!!!...), (rsrsrs…), (wow!!!)…
D. Maria Xavier, concluindo – tens sete!
Mário Isaac – (glup!), (???...), (grrrr…) (piiiiiii!!!)…

4.º Ano – 1956/57
O elenco de professores manteve-se, apenas com uma alteração: a Geografia passou a ser dada pelo Dr. Azevedo.
O Dr. Manuel de Oliveira Perpétua, licenciado em Histórico-Filosóficas, foi nosso professor de História nos 3.º, 4.º e 5.º anos. Era o director e também leccionava Filosofia e O.P.A.N. (Organização Política e Administrativa da Nação) aos 6.º e 7.º anos.
Expunha os conhecimentos de História com entusiasmo, muito saber e muita graça. Eu assistia às aulas de História encantado e com muito interesse, como se de uma telenovela se tratasse (a TV só apareceu no ano seguinte). Ainda hoje sou um apaixonado por História – normalmente tenho à cabeceira livros de História. Quando viajo e me deparo com certos locais e monumentos, ainda hoje me vem à lembrança o grande professor que tive. A Acrópole de Atenas, o Palácio de Knossos, o Templo de Karnak, o templo da Rainha Hatshepsut, o túmulo do Rei Midas, o Coliseu de Roma… e tantos, tantos mais, eu já tinha na memória mesmo antes de os ter visitado. Tudo isto me ficou das maravilhosas aulas de História que tive deste professor.
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (abre a caderneta) Ora vejamos… Barbosa!
Barbosa - (Valha-me Deus!) Oh Sr. Dr., ontem, quando ia para casa, atravessei o Borlão e o livro de História caiu numa poça. Agora está molhado, a secar, e eu não pude estudar…
Dr. Perpétua – Bem… vou acreditar. Por hoje passas…
Barbosa – (uf!...lá me safei!)
Aula seguinte:
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (abre a caderneta) Ah pois… Barbosa!
Barbosa - (Valha-me Nossa Senhora!) Oh Sr. Dr., eu bem queria estudar, mas as folhas do livro ainda estão tão molhada, que nem lhe posso pegar…
Dr. Perpétua – Então como é? Trata lá de secar as folhas do livro. Isto assim não pode ser, mas vá lá…
Barbosa – Eu vou tratar disso, Sr. Dr. (Que alívio!...)
Aula seguinte:
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (nem abre a caderneta) Barbosa!
Barbosa - (Valham-me Todos os Santos!) Oh Sr. Dr., acredite que o livro está a desconjuntar-se e…
Dr. Perpétua – Sabes que mais? Isso é tão verdade, como estar aqui alguém nascido em… em… em…S. Sebastião da Pedreira!
Eu – Sr. Dr., eu nasci em S. Sebastião da Pedreira!
Dr. Perpétua – Serafim, tu nasceste em S. Gregório! A tua família é de lá!
Eu – A minha família sim, mas eu nasci, de facto, em S. Sebastião da Pedreira, na Maternidade Alfredo da Costa.
Dr. Perpétua – sendo assim, Barbosa, por hoje, mas só por hoje, passas…
Barbosa – (Nem quero acreditar nesta sorte inesperada!)

5.º ano – 1957/58
Continuámos a ter aulas com a maioria dos professores do ano anterior, mas com algumas modificações. A D. Maria Xavier passou a dar aulas exclusivamente na Bordalo Pinheiro, sendo substituída pelo Dr. Oliveira. O Dr. Azevedo deixou a Geografia e passou a dar Ciências Naturais. O Desenho pelo Eng.º Cabral. A Geografia, em regime de acumulação, por uma professora da Bordalo Pinheiro, a Dr.ª Natividade. Era esposa do Dr. Oliveira. Uma senhora muito serena, de voz mansa, mas que logo na primeira aula se impôs pela qualidade da exposição que nos estava a apresentar. A Geografia, pela primeira vez, passou a ser uma disciplina interessante e fácil.
No final do ano, fomos para Leiria fazer os exames. Eram dez provas escritas, duas por dia, de segunda a sexta, e o recurso a uma segunda chamada era quase impossível. Cada prova versava o conteúdo dos três anos do ciclo. Não era nada fácil. Dizia-se que o 5.º ano não era para se fazer, mas sim para se ir fazendo…
Apesar de tudo, essa semana em Leiria era, para nós, um tempo de convívio, que era só nosso. Íamos quase todos para a mesma pensão, a Pensão Central, mais tarde Hotel Central, que foi destruído por um incêndio. Mas, como diria o Malato, fui muito feliz em Leiria…

6.º ano – 1958/59
Neste ano, ocorreram algumas transformações no Externato. Provavelmente devido ao aumento do número de alunos, passou a funcionar em dois locais: o “prédio do Crespo” e uma secção em parte de um edifício que fazia esquina entre as ruas do Jardim e Heróis da Grande Guerra. Tinha sido recentemente adquirido pelo Patriarcado de Lisboa e o novo Director era o Padre António Emílio, que passou a ser o nosso professor de Moral e Religião – uma excelente pessoa e um excelente professor.
No anexo passaram a ter aulas os alunos da primária, leccionada pela D. Manuela, e os alunos dos 1.º e 2.º anos. Foi neste ano que a D. Dora entrou para o serviço do Externato, ficando responsável pela disciplina e pelas condições de funcionamento na extensão agora criada, para além de dar Lavores às meninas que ali tinham aulas.
Houve também uma profunda remodelação no corpo docente. Penso que apenas ficaram a D. Anita, a D. Rosa, a Mme Irene Albuquerque e o Dr. Azevedo.
Entrou o Dr. Jaime Umblino, licenciado em Filologia Românica, leccionava Português e Francês. Era muito bem-disposto, sorridente e muito camarada com os alunos. Adorava brejeirices… Não foi meu professor, porque, ao ter optado pelas Ciências, deixei de ter estas disciplinas.
Para Ciências Naturais, veio a Dr.ª Maria do Carmo. Era o seu primeiro ano de ensino. Muito nova e bonita, tímida e reservada, notava-se que trabalhava muito. O primeiro ano para um professor, num pequeno colégio, é muito pesado. Leccionamos muitos níveis pela primeira vez e, só quem passa por isso, pode avaliar.
A Filosofia foi dada por um professor, acabadinho de licenciar em Salamanca. Lamento, mas não consegui lembrar o seu nome. Também leccionava História e Português, pelo menos aos primeiros anos. Pode ser que alguém se lembre do seu nome. Era muito simpático e procurava apresentar um trabalho sério e bem preparado. Casado há pouco tempo, tinha uma bebezinha de colo, que era o seu orgulho. Quase no final do ano, andava muito cansado, e até teve dificuldade em dar as últimas aulas. Faleceu pouco depois. Disseram-nos que tinha lúpus disseminado no sangue. Para nós, foi uma perda muito sentida.
O Dr. Azevedo leccionou-nos Matemática e Desenho (Geometria Descritiva). Pessoa já com grande experiência, muito saber e competência, mas com falta de paciência (rimei sem querer, mas é verdade!). Talvez porque para ele tudo era simples e evidente, a matéria foi dada com uma rapidez fantástica, muitas vezes lida à pressa pelo livro. Terminámos os programas cedíssimo, mas, pelo menos eu, sentia-me muito inseguro em quase todos os temas. No entanto, qualquer dúvida que lhe fosse posta, se o apanhasse bem-disposto, a explicação era magistral. Pena que não acontecesse com mais frequência.
Para leccionar Físico-Químicas foi contratado um professor, já de certa idade, que, logo de início, passou a ser conhecido pelo “Serôdio”. Constou que este epíteto lhe foi posto pelo António Samagaio, mas o facto é que pegou de imediato e quase ninguém sabia que se chamava Carlos Coelho. Não sei qual era a sua formação académica, mas não gostava que lhe chamassem Dr., mas sim Sr. Tenente. Referia-se amiudadamente ao desempenho de tarefas na tropa e mesmo em situações de guerra. Tinha uma linguagem um tanto livre para a época, estilo caserna, mas sabia ser delicado e gentil quando a ocasião o merecia. Falava com pronúncia do norte, trocando os “vv” pelos “bb” e tinha um apurado sentido de humor.
Sr. Tenente – (ditando um problema) Um comboio que pesa 400 gramas…
António Alberto (Tobé) – Oh Sr. Tenente, como pode um comboio pesar só 400 gramas?
Sr. Tenente – Entõe, tu num bês que bai bazio?
Fumava muito, quase sem precisar de fósforos ou isqueiro – acendia os cigarros, sem filtro, uns nos outros e deixava a cinza cair por todo o lado. Nem no laboratório parava de fumar. Por isso também era conhecido pelo “Beatas”. A matéria era dada com uma lentidão exasperante. Um problema levava por vezes várias aulas a resolver, tudo com muito pormenor e minúcia. Resultado: Chegámos ao fim do ano muito longe de acabar a Física e sem sequer ter entrado na Química.
Tínhamos a disciplina, O.P.A.N. (Organização Política e Administrativa da Nação), que era considerada a menos importante, quer pelo conteúdo, quer pela pequena extensão programática. Era leccionada apenas com uma aula por semana. Esta disciplina passou a ser dada por um magistrado do Tribunal da Comarca – o Dr. Fontinha. Dava uma dignidade tão grande à leccionação, com exposições muito cuidadas, trabalhadas e rigorosas, mas agradáveis, que a disciplina passou a ter um estatuto elevado e em nada inferior ao das restantes. Cada aula era um prazer.
Penso que foi neste ano que a Dr.ª Elvira Bento Monteiro leccionou, em acumulação, Latim e/ou Grego. Não foi minha professora. Era uma senhora muito elegante, competente, e sempre muito simpática.

7.º ano – 1959/60
No início do ano, tivemos alteração de professores em duas disciplinas – Ciências Naturais e Filosofia.
A Dr.ª Maria de Carmo foi substituída pela Dr.ª Maria do Rosário Leal. A nova docente era muito alegre, muito competente, de personalidade forte, imprimia um bom ritmo no desenrolar das actividades da aula. Aprendia-se muito e tudo era muito interessante.
Em Filosofia tivemos o Dr. Valente Sanches. Licenciado em Direito, era administrador do Hospital e passou a leccionar no Externato, em acumulação. O Dr. Sanches é uma pessoa de enorme cultura, fino trato, competentíssimo e, ao mesmo tempo, uma pessoa afável e de grande simplicidade. Passámos a gostar muito de Filosofia e a perceber quão importantes eram os conceitos sobre os quais esta matéria se debruçava. Também leccionou a disciplina de História, ao que parece, com muito agrado dos seus alunos.
Um ou dois anos mais tarde, o Externato passou a ministrar também o Magistério Primário, no qual o Dr. Sanches leccionou várias cadeiras. A sua forma de estar, de lidar com as alunas, a força, competência que transpareciam do seu trabalho sério e valioso, fez com que as suas alunas o admirassem e o tomassem como um verdadeiro e grande amigo. A minha mulher, que foi uma das alunas, já cá não está para confirmar o que acabo de escrever, mas foi através dela que esta mensagem me chegou, e sei, sem hesitações, que foi este o professor que a marcou para sempre.
E as aulas de Físico-Químicas continuavam a passo de caracol. Fomos falar com o Director, manifestando a nossa apreensão pela impossibilidade manifesta de ser cumprida nem metade do programa. O Sr. Padre António Emílio compreendeu as nossas apreensões e mandou duplicar o número de aulas semanais. Na aula seguinte, o Sr. Tenente Carlos Coelho, entrou radiante, dizendo-nos, com grande satisfação, que agora já podia dar as aulas mais devagar, porque até ali eram um sufoco, com falta de tempo. Claro que passámos a dar a matéria ainda mais lentamente, para desespero de todos (menos dele).
Um dia, estando o Sr. Tenente a dar uma aula ao 7.º ano, um aluno de outra turma, cujo nome vou omitir, batia à porta. O professor foi abrir e não estava ninguém. A cena repetiu-se. O Professor, furioso, deixou-se ficar junto à porta, do lado de dentro e mal o aluno voltou a bater, abriu a porta e ainda o viu a fugir. Exaltado como estava, perdeu a compostura e ralhou-lhe:
Oh seu filho da p…! Vou fazer queixa de ti e vais ser expulso!
No dia seguinte, apareceu na aula para nos dizer adeus. Tinha sido despedido. O aluno ter-se-ia antecipado e foi dizer à sua mãe que o professor se tinha referido a ela como sendo uma p… Parece que a senhora teria reagido da pior forma…
Disse, entre lágrimas, que gostava de nós, que tinha muita pena de nos deixar, mas que o Externato não o tinha prejudicado monetariamente, porque lhe pagara o vencimento completo, até ao fim do contrato. Foi um dia triste para todos nós. Apesar de tudo, tínhamos um certo carinho e amizade pelo Sr. Tenente.
O Dr. Azevedo passou a tomar conta das Físico-Químicas do 7.º ano e foi contratado o Dr. André Gonçalves para os restantes anos. Era um rapaz novo, licenciado em Ciências Geológicas, um pouco tímido, mas muito consciencioso no trabalho. Continuou no Externato durante mais três anos. Não foi meu professor, portanto não o fiquei a conhecer muito bem. Passados mais de trinta anos, voltamo-nos a encontrar, mas já em funções muito diferentes.
E, mais uma vez, fomos para Leiria fazer os exames. Como seria de esperar, fui muito feliz em Leiria…
Não gostava de terminar sem fazer referência a duas pessoas que também nos acompanharam neste percurso e por quem todos tínhamos uma amizade e um carinho especiais – a menina Albertina e o Sr. Madeira.
A menina Albertina (era assim que a chamávamos) era a única contínua do “prédio do Crespo”. Era ela quem tomava conta dos alunos no primeiro andar, das raparigas na respectiva sala, dos toques da campainha, pelo que tinha de estar sempre atenta ao relógio e era ela também que limpava todo o Externato, mantendo-o sempre encerado, limpo e brilhante. Nunca casou, vivia para o Externato e para os seus meninos. Era muito nossa amiga.
O Sr. Madeira, reformado da GNR, tomava conta do segundo andar e dos rapazes, na respectiva sala, Procurava manter a possível disciplina, era muito educado e responsável. Sabia como lidar com os alunos mais rebeldes e dar-lhes conselhos adequados. Era um homem bom, de muito respeito, tolerante, compreensivo e amigo de todos nós.

Voltei ao Externato quatro anos depois – encontrei tudo mudado, até as instalações. Dos professores do meu tempo, só restavam o Dr. Azevedo, a D. Rosa, a D. Anita, a D. Dora e o Dr. Sanches, que apenas leccionava uma horinha semanal de O.P.A.N. ao 6.º ano e outra ao 7.º ano.

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Jaime Serafim

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C O M E N T Á R I O S
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João Ramos Franco disse...
Só para eu me esclarecer nos anos: No teu 1º ano não estão também o Pedro Albuquerque, o António Samagaio, o Adalberto Caldeira, o José Saudade e Silva, o Edegar(tocava acordeon e violino) e a Maria da Madre Deus Monte Pereira?É que tudo bate certo na tua descrição, mas eu ou estou no mesmo ano ou um à frente ou atrás?A sala de aulas não é a 1ª porta à esquerda no piso seguinte ao pátio?
João Ramos Franco
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Jaime Serafim respondeu:
Olá João
A turma do Pedro Albuquerque, Adalberto, Samagaio... entrou para o primeiro ano quando nós andávamos no segundo. Nesse ano tínhamos Canto Coral juntos.
A turma que nos precedeu, isto é, que andava no terceiro ano nessa altura, tinha o Adérito Amora, o Tó Freitas, o Helder, o Capataz Franco, a Maria José Belbut, creio que o teu irmão Rui...No quarto ano andavam o José Luís Lalanda, o Joca Calisto, o José Carlos Nogueira, o Henrique (Lhico)...
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farofia disse...
Verdadeiramente, Jaime Serafim, é você O de Boa Memória (com a devida vénia a el-rei D. João I) e felizmente de boas memórias. Estou aqui mortinha de rir. Com estas: ahahah!!!
– Mário Isaac, meu filho, fizeste muitos progressos, estás a melhorar muito, este ponto está bem melhor que o anterior…– tens sete!
– Um comboio que pesa 400 gramas… Oh Sr. Tenente, como pode um comboio pesar só 400 gramas? - Entõe, tu num bês que bai bazio?
– Eu escrevi “bijou virgule chou virgule hibou virgule genou virgule…” e ia pensando: que raio de coisa esta de os franceses escreverem tantas vezes a palavra “virgule”! Só mesmo no fim, e estafado de tanto escrever “virgule”, descobri a minha palermice e risquei todas as “virgules” e substituí por “,” ainda a tempo de entregar o ditado.
A propósito de ‘ditado’, encontrei por aqui material valioso para meditar sobre a evolução das estratégias pedagógicas e didácticas nos últimos 500, digo, 50 anos. E também tremi a lembrar-me do ritual das chamadas…
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Ana Carvalho disse:
Olá a todos
Só quero dizer uma coisa: " Que Memória Espantosa" e já agora quero agradecer as gargalhadas que dei enquanto li esta "estória" deliciosa e magistralmente escrita pelo Dr. Serafim que cada vez me surpreende mais.
Obrigada Bjs PP
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Julinha disse:
Dr.Serafim !
Como me diverti e até recordei os belos tempos em que íamos fazer exames a Leiria.Diz que já não tem a boa memória que tinha!!!! Ai se tivesse....como seria,partia-me toda a rir! Habituou-nos aos seus textos maravilhosos e eis que sai mais um...
Conheci e fui aluna de alguns dos professores que descreve, pois frequentámos o ERO simultaneamente nos seus 2 últimos anos, embora em edifícios diferentes.Que bela e salutar relação entre alunos e professores.....virgule...virgule....virgule....e o Dr.Umbelino não poderia vir todos os dias, de Torres Vedras no comboio dos 400gr...ele era pequenino.mas não tanto...
Fala dos exames em Leiria,cruzámo-nos na Pensão Central em 1960, eu a fazer o 2º ano e o Dr.Serafim o 7º.Belos tempos !!!De manhã íamos ao Liceu cumprir a nossa "obrigação " (o examezito) à tarde convivíamos e não tínhamos necessidade de estar a estudar á última da hora para o dia seguinte. Como era possível????
Nesse ano ,acompanhou-nos o Padre António Emílio e, ou íamos passear até ao Castelo, ou ficávamos na conversa e a divertir-nos,por isso me lembro tão bem de si ,dessa altura.
E a Menina Albertina e o Sr. Madeira,que admiráveis pessoas !
Um Abraço
Júlia R
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Isabel Esse disse...
É inacreditável haver alguém que tantos anos depois se lembra de tantos nomes de colegas,professores e contínuos do colégio.E ainda das histórias,dos diálogos,das notas e sei lá que mais!!!Está escrito,como das vezes anteriores de uma forma muito divertida,embora parecesse muito longo quando vi,acabei de ler de uma vez e com pena de não haver mais!!!Parabéns Dr. Serafim,espero que tenha mais coisas para nos contar e parabéns ao Jales por ter conseguido mais este colaborador para o blogue.
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João Jales disse:
Com mais dois ou três cronistas com esta memória e capacidade de exposição acabava-se o Blog num instante! Toda a informação, fornecida com desenvoltura, à nossa disposição como se estivéssemos a ouvir estórias à lareira ou na mesa do café... Brilhante.
Espero que o Dr. Serafim, a propósito de outros temas, continue a contribuir com as suas memórias e a sua grande capacidade de observação e descrição.
Sem diminuir as fantásticas capacidades do Dr. Serafim, deixem-me dizer-vos que temos um outro colega capaz de recitar os nomes de turmas inteiras do Colégio, bem como dos professores, contínuos, funcionários da limpeza, fornecedores, motoristas,etc; consegue incluir os respectivos familiares, sanguíneos e por afinidade, namoros e casamentos, árvores genealógicas, moradas (incluindo habitações de férias), filiação clubística, preferências gastronómicas, etc. Está prometida, desde a fundação do Blog, uma colaboração sua... Até hoje.
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Laura disse:
Dr. Serafim
Não quero deixar de lhe dar os parabéns pela sua fantástica memória. Quem me dera que a minha fosse assim.
A clareza com que escreve é igual àquela com que expunha a matéria que leccionava.
Com a sua história de vivência no ERO como aluno, deu para perceber que fomos colegas, coisa que nunca me tinha passado pela cabeça. Não é caso para admirar, este meu desconhecimento , porque o Dr. Serafim tinha as suas aulas no prédio do Crespo e eu no que se situa na Rua Alexandre Herculano (Rua do Jardim). As coisas que eu tenho aprendido com este blog!
Confesso que, ao contrário do professor, não fui feliz em Leiria durante o período dos exames. Fiquei mesmo traumatizada com aqueles malfadados exames, pois sentia-me fora do meu ambiente. Ainda hoje, passados tantos anos, sempre que falo em Leiria me vem à memória o Liceu, as grandes salas, o barulho dos sapatos das professoras vigilantes, as orais e todo aquele ambiente hostil que era criado à minha volta. Interrogo-me muitas vezes se terei sido mesmo a única aluna do ERO a quem isto aconteceu e porquê, mas não tenho uma resposta precisa. Porque seria?
Laurinha
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AntMor disse...
Estes anos nada têm a ver com a minha frequência do Externato Ramalho Ortigão mas são descritos com uma quantidade de pormenores e detalhes seguramente impossível de reproduzir pelos alunos da década seguinte,com menos dez anos de idade e com menos dez anos de afastamento dos scontecimentos.
Como em todos os tempos havia bons professores,incompetentes,cromos,ditadores e boas pessoas,como 10 anos depoios.O post só é comprido à 1ª vista a sua leitura é surpreendentemente fácil e agradável.
Parabéns ao autor!TM
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Manuela Gama Vieira disse:
Apesar de os comentários que precedem o meu já expressarem tudo, não posso deixar de saudar o Dr. Jaime Serafim pela sua memória fantástica, pelas “Memórias” dos seus tempos de estudante que partilha aqui connosco e…com que notável sentido de humor!A singular capacidade de “saber estar” com os seus alunos, em nada diminuía o imenso respeito que granjeava junto deles.Algumas dezenas de anos passaram e muito me apraz ler os seus textos. Denotam que mantém a sua simpatia, espírito de proximidade, parece-me estar a ouvi-lo…. sabe que me lembro da sua voz?
Manuela Gama Vieira

PADRE ALBINO - Outras visões

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(Este é um email pessoal que recebi e que, com a devida autorização da autora, aqui reproduzo. É uma reflexão serena de uma comentadora "sábia".JJ)
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Foi bom ver temperada a opinião mainstream sobre o Director com o outro lado da moeda, pois aquele comentário da Júlia Ribeiro mostra, com grande coragem, o sentimento de gratidão que o Quim Oliveira guarda em relação ao Pe Albino.
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Como o JJ disse, também eu estava numa posição - enquanto testemunha da época e do homem - privilegiada se a compararmos com a dos alunos. Porque pertencia ao grupo dos professores e porque tinha talvez uma capacidade maior, pela idade e pela experiência de vida, de conseguir ver para lá da máscara do padre Albino. Li algures no blog, mas agora não consegui localizar, uma expressão de um Gama Vieira que quando chegou ao E.R.O. gostou do director. Gostou! Porque ele vinha do liceu de Faro, onde conheceu o reitor, esse sim, um verdadeiro terror! Senti-me perfeitamente identificada, pois foi sob esse 'verdugo' que vivi dos 9 aos 16 anos, e as marcas ficaram (como as dos escravos da roça...) por isso entendo bem os alunos.A comparação desse reitor com o padre Albino fazia deste um verdadeiro gentleman, imagine!
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Sob a ditadura os comportamentos sociais estavam altamente programados, quer para os ‘homens’ quer para as ‘senhoras’ e a gente aprendia que tinha que ler nas entrelinhas para achar as ‘bondades’ das pessoas. Excepcionalmente, como aconteceu com o Quim, ou então no convívio diário prolongado, descobriamos uma 'bondade' porque nos era dado ver o tirar da máscara. Era aí que Albino se reduzia à dimensão humana e 'descia' simplesmente à nossa escala.
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Um beijo
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Inês
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Júlia respondeu:
Inês
Desculpe tratá-la assim mas,pela sua maneira de escrever e comentar,não o consigo fazer de outro modo.Conheci-a nas fotos do P. Chico,ainda antes de chegar ao blog, até aí dizia Drª Inês....
Aprecio imenso os seus comentários ,é para mim sempre um prazer lê-los ,de tal maneira que me parece já conhecê-la!Como são as coisas,através de simples leituras termos a sensação que vamos conhecendo as pessoas.Permita-me que a "compare "a uma professora que já aqui foi bastante mencionada,a Drª Alda Lopes.O Jales,no almoço do blog disse que tinha pena de não ter tido a Drª Alda como professora e ,eu mesmo sem a conhecer pessoalmente,apenas do que se tem dito aqui e dos seus comentários digo:Se tivesse tido a Inês como professora teria provavelmente mais uma amiga agora.....
Muito obrigada pelas suas palavras,sempre de conforto, e um beijinho.
Espero ter o prazer de a conhecer no almoço de 14 de Novembro.
Júlia Ribeiro
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Isabel Caixinha
"The much loved Mr. Iceberg..."

O meu pai conta muita vez uma estória do Albino (ele que nunca foi muito de estórias). Como possivelmente podem imaginar, o meu pai tinha uma enorme admiração pelo Padre Albino. Era sempre com entusiasmo que glorificava os seus (a seu ver!) consequentes métodos de disciplina e a sua (ainda a seu ver!) exemplar integridade de carácter. Uma manhã fria e chuvosa de inverno o Director abordou o meu pai com a notícia do falecimento do seu pai. Seria necessário que ele o conduzisse nessa noite e, no dia seguinte, seria o funeral... mas que a notícia não se desse a conhecer, para evitar...aflições!
E assim foi...ainda hoje o meu pai elogia a sobrenatural capacidade do Director no domínio das profundas emoções próprias de tal acontecimento e a força para prosseguir corajosamente impávido e sereno com os encargos do dia! (A São e eu tínhamos a dúvida de qual dos pais do Padre Albino tinho sido o funeral de que o meu pai falava e assim hoje telefonei-lhe e confirmei que tinha sido do pai!).
Fiquei mesmo chocada ao saber do comportamento tão pedante e insensível do Padre Albino ! Incrível...Tão incoerente com a imagem que ele queria projectar...
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Emiliana Rego Filipe
A LARANJA
Vir substituir o Padre António temos que reconhecer que seria para qualquer um uma tarefa difícil! Ainda por cima de uma maneira tão abrupta e imprevisível.No entanto ao padre Albino parecia dar um certo gosto afirmar-se pela negativa.Foram tempos difíceis para nós! Posso mesmo confessar que o colégio, antes um lugar lindo,alegre e agradável tinha muitos dias que me parecia um outro lugar, escuro e triste.
Entre os poucos episódios que recordo vividos com o Padre Albino( eu por estratégia prefiro esquecer as memórias que me são desagradáveis) lembro-me de um que, na altura ,foi para mim muito embaraçoso mas que agora recordo com um sorriso divertido:
Cumprindo um programa bem organizado, tinhamos chegado a Sevilha.Nada conseguia beliscar o entusiasmo com que estávamos a viver a nossa viagem de finalistas a Ceuta. Havia no entanto para mim um senão, a comida espanhola que me ia fazendo acumular alguns dias de quase jejum.
Aquele hotel em Sevilha tinha um ar acolhedor.Vindo da cozinha espalhava-se um tentador cheirinho a carne guizada com esparguete,refeição ainda hoje das minhas preferidas. À hora de ser servido o jantar deixei que o meu prato ficasse substancialmente farto tal era a prespectiva de me deliciar com aquele apetitoso manjar.O Padre Albino, na mesa em frente,lançava-me um olhar reprovador...
Eis senão quando, logo à primeira garfada, eu solto um incontido vómito!...A massa tinha queijo e eu detesto comida com queijo! Gargalhadas soltas, alegres, dos meus companheiros de mesa continuavam a contrastar com o olhar do Padre Albino,agora agravado com um significativo abanar de cabeça.
Chegou por fim a hora da sobremesa. A fruta era laranja, lindas laranjas que me pareceram uma boa alternativa ao prato principal.O único senão desta vez é que teria de as descascar com faca e garfo, tarefa que, confesso,ainda hoje me deixa um pouco desconfortável.Bom,tinha mesmo que ser...e eu considero-me uma mulher corajosa nas grandes decisões. Mas a sorte não estava decididamente do meu lado naquele dia e, logo à primeira tentativa, a laranja resvala do meu pequeno prato e vai projectar-se sem mais nem menos em direcção...adivinhem de quem? Da mesa do Padre Albino!
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Júlia Ribeiro disse:
Estive a ler o blog. A Emiliana já me tinha lido ao telefone a história da laranja, a que achei muita piada e lhe disse que enviasse. Ainda bem que o fez! Júlia
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Luisa disse:
O olhar do Padre Albino,só de me lembrar até tenho calafrios.Reprovava as roupas,os sapatos,a forma de estar,sentar,andar,falar,comer,correr,sei lá,não fazíamos nada bem na opinião dele!Espero que a laranja lhe tenha caído no colo!!!L

ASSÉDIO FEMININO AO PADRE ALBINO

por António José Neto
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Cupido quis tentar o Padre Albino e disparou as suas setas sobre uma viúva das Caldas, de certo nível e fortuna, com familiares no ERO, a ponto de esta lhe escrever cartas apaixonadas. A posição social do director, os seus modos, a sua água de colónia de boa griffe, os seus “tours de force” como vigário surtiram efeitos indesejados.
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Tal importunava-o tremendamente, a ponto de um dia desabafar com alguns alunos, grupo em que eu fiquei incluído. Sabe-se lá porquê, estes não foram a correr contar aos colegas. Esta história verídica caiu num quase esquecimento, do qual a vou recuperar hoje, sem comprometer ninguém.
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Vou abreviar o nome e tratá-lo como seria proibido naquele tempo, mas se usa hoje tantas vezes em contextos profissionais, pelas iniciais, por PA.
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Que qualidades veria a senhora nele?O PA não se inibia transmitir a imagem de pessoa culta, fina e viajada. “Os meninos sabem, essa vossa viagem de finalistas… eu já visitei esses lugares muitas vezes; se for convosco é só para vos explicar, porque não vou ver nada de novo”.
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Num grupo restrito, ouvi-lhe uma vez esta perplexidade perante aquele texto que muitos cristãos e não-cristãos consideram a melhor síntese de justiça moral jamais escrita: o sermão da montanha. Comentava o PA: “Jesus disse : Bem aventurados os pobres de espírito. Pobres de espírito?! O senhor me perdoe, mas essa não!”
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Sobre o Rock'n Roll: “Quando vi dançar essa música pela primeira vez estava num cruzeiro. Havia um rapaz tolo, um atrasado mental. “Pois, a orquestra tocou e era só ele na pista. Os restantes passageiros educados não se levantaram das cadeiras. Aí eu disse para mim: Albino, aqui tens uma música que é para tolos e atrasados”.
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Um psicanalista poderia talvez encontrar por detrás da sua personalidade alguns traumas. Contou que sofreu muito com a morte da mãe. Ainda novinho, a mãe apareceu-lhe em sonhos, criando-lhe uma fé e esperança que encaminhou a sua vida para o seminário.
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Por vezes baixava as barreiras da auto-censura e deixava sair as suas ansiedades. “Tenho estado com uma ideia fixa de construir uma casa. Já fiz um plano mental das divisórias. Falei com o Padre Tal e com fulano que me disseram que isto é uma tendência altamente normal na minha idade. Tenho de estar preparado para lidar com ela”.
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Poderia este homem, como tantos padres, escorregar numa tentação do sexo oposto ? Alguém terá achado que sim, pois um dia, o PA, agastado com o assédio feminino de que estava a ser alvo, explodiu com 2 ou 3 de nós:
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- “A ________ “ (não, não era mãe) “de ____________ “ , (não, não era da nossa turma, era mais novo ou nova; eu sei mas não vou dizer, por isso não me perguntem) já me escreveu três cartas de amor. Primeiro pedia audiência para conselhos educacionais e agora são estas cartas descaradas. Diz que está apaixonada, que eu sou assim e mais assado…”
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O Padre Albino admitia que ela estava apaixonada. A senhora teve a ousadia de ver nele o homem ideal e nela própria a companhia de que ele precisava. Podemos apenas imaginar as complexas teias emocionais e dilemas de vida e aventura lançadas pelas cartas. Estavam destinadas ao fracasso.
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Agora não me venham dizer, “É pá, nós sabemos todos isso. Era a __________!”
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António José Neto - ERO(1964-1971)
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C O M E N T Á R I O S
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Isabel X disse...
Não faço a menor ideia de quem seria e, já agora, nem sequer gostaria de saber, quem era a pessoa em causa,cuja identidade é mantida secreta neste depoimento do Neto. O certo é que o autor deste texto aqui nos revela o lado mais humano(e mesmo assim nada bonito de conhecer - um cavalheiro nunca se gaba das mulheres que por ele se apaixonam, mesmo, ou principalmente - sendo padre) do Padre Albino. Afinal teve mãe e foi traumatizado por ela, afinal ele teve quem se apaixonasse por ele, por mais inverosímil que isso possa parecer - muito belos são os olhos de quem ama - e era vaidoso, gabava-se de viagens e incómodas apaixonadas junto de alguns dos seus alunos. Paz à sua alma!
- Isabel Xavier -
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João Jales disse:
Deixam-me algo perplexo estas conversas do Sr. Director, eu que só lhe ouvi palavras de recriminação, advertência e crítica, mas conhecendo o Neto como conheço, o relato é seguramente verídico.
Também eu não sei quem era a senhora que tal paixão nutria mas, ao contrário da Isabel, não desdenharia saber (para completar os arquivos históricos do ERO, claro).
Curiosamente conheço um episódio absolutamente idêntico em que o Padre Albino se queixou, não a um aluno mas a um professor do Colégio, do assédio a que era sujeito por uma outra senhora. Foi esse confidente, pessoa acima de qualquer suspeita, que me contou. Seriam verdadeiras estas estórias ou viveria o Sr. Padre, na sua enorme e evidente vaidade, na ilusão de ser um D. Juan?
Noutra coisa concordam as nossas memórias: os discos com que ele me via por vezes no Colégio eram sempre alvo de inspecções e duras apreciações (e só pelas capas, nem queria ouvir!). Tinha verdadeiro horror ao Rock, aos cabelos compridos e às roupas coloridas que se começavam a usar na década de sessenta.
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Miguel Bento Monteiro disse:
Esta história de amor comoveu-me. Quase não consigo balbuciar quanto mais verbalizar.Já agora,e por falar em paixão impossível, alguém me diz qual foi a razão que impeliu o Conde a encontrar refúgio na Cartuxa de Évora ?
MBM
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Isabel Esse disse...
Achei muita graça a esta história que desconhecia cmpletamente.Parabéns ao autor por ter conseguido tratar este assunto de forma tão delicada.
A pergunta do anterior comentador faz sentido porque se falava insistentemente do facto da ida do Padre A para a cartuxa tinha origem numa Love Story infeliz.Mas não parece ser esta.Já agora pergunto:o Padre A era Conde de quê?Nunca em tal ouvi falar!!!
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Miguel B M respondeu:
Esclarecimento à pergunta da Isabel Esse :
- Qual é o conde mais famoso da história ?
MBM
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João Ramos Franco disse...
Na História de Portugal parece-me que seja D. Afonso IV, Conde se Ourém , neto de D. João I e de D Nuno Alvares Pereira. Mas como não sei o sentido que o MBM pretende dar ao assunto poderá estar a referir-se ao Conde Drácula, Conde Andeiro ao ou até ao Conde de Monte Cristo.Mas talvez para neste assunto o MBM se refira ao Conde Drácula...
João Ramos Franco
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Isabel Esse disse...
O pai do actual rei de espanha era o Conde de Barcelona.Teria o Padre A conhecido esse senhor,que era muito religioso e viveu em Portugal?Ou estarão a brincar e é o Conde de Monte Cristo ou alguma coisa do género?
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António José Neto disse:
Os comentários da Isabel Xavier são pertinentes, designadamente a propósito do comportamento de um cavalheiro.
Deixem-me também esclarecer algo sobre a foto, que me foi tirada pelo Padre Chico no Bom Sucesso, por ocasião de um acampamento com alguns alunos que convidou. A minha pose foi uma brincadeira deliberada de imitação de um hipnotizador, que depois repeti para a câmara. Sempre tão humano e cordial o Padre Chico! E depois, como se diria de um "Businessman" na classe de inglês: "He could handle his affairs".
António José Neto
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Tó Quim disse:
O brilhante texto do Neto, para mim é uma das maiores surpresas desde os tempos do ERO.O Padre Albino com uma apaixonada e ainda por cima a verbalização que ele fazia disso?Estou de boca aberta.
Quantos de nós, no tempo em que ele estava no ERO, tínhamos um imenso receio das reprimendas dele, das longas lições de moral que levávamos?
Apesar dos meus anteriores comentários, o Padre Albino foi uma das grandes figuras que marcou a vida do ERO.Quem se lembra do carro que ele tinha?
António Fialho Marcelino
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Luis disse:
O carro do Padre A era um Volkswagen,conhecido na altura por "carocha",não era?

ALMOÇO/CONVÍVIO ABRIL 2009


Agradeço à Guidó a colaboração neste post.
JJ








Realizou-se o habitual almoço das jovens reformadas do ERO.

Este ano teve a presença de um convidado especial, responsável por colocar este habitualmente discreto e íntimo repasto nas primeiras páginas da imprensa internacional.

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Dou a palavra à Júlia que participou e fez a cobertura do evento em exclusivo para o nosso Blog:

Da esqª para a dtª - Ana Nascimento, Laura Morgado, Júlia Ribeiro, Manela V.Pereira, Amélia Rodrigues (Bia), Isabel V.Pereira. Por trás está um "cavalheiro" que dispensa apresentações....
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Primeiro,tenho que informar que algumas meninas não estão ainda reformadas, são demasiado jovens......nós é que o intitulamos como tal porque quando começámos éramos 3 reformadas. De seguida, vai um raspanete para o menino Jales, porque este almoço era privado e os "media" não pediram licença para publicar, não sei mesmo se lhe irei pôr uma acção ...e pedir a indemnização correspondente !!!!
Já que foi divulgado, terei que dar conhecimento do ambiente em que decorreu esta importante reunião. O Sr. Presidente Obama é uma pessoa extremamente simpática e divertida, está muito satisfeito com o seu Bo, é um fiel amigo e companheiro das suas filhas, que estão já a ensinar-lhe algumas palavras em Inglês, que ele aprende com facilidade...
Falou-se da politica internacional, da situação da Europa e especialmente de Portugal, da crise dos "ricos". Aconselhou os portugueses a manterem a calma, que iria tomar medidas para a resolver, já estava com o seu Bo a planejar estratégias, embora concorde que se trata duma situação muito difícil....caso fosse dos necessitados, o problema contornar-se-ia melhor !!! É o velho problema....os pobres continuam pobres e os ricos cada vez mais ricos. Concluindo, o almoço foi muito produtivo, mas a balança (de pesar) mantém-se equilibrada.....
Falando agora a sério, encontramo-nos de 6/6 meses num almoço para cavaquearmos e enviei a foto ao Jales apenas para ele ver. Fez-me esta partida que eu, quando descobri, dei tantas gargalhadas que se devem ter ouvido no prédio e os vizinhos pensando que estaria aqui uma maluquinha....Faltam a Lisete Palma e a Mélita, que é "habitue", mas o seu filhote fazia anos e, por isso, nós perdoamos-lhe a ausência.
Convidamos quem quiser associar-se, as inscrições estão abertas para o próximo almoço que será daqui a 6 meses.
Agradeço também à Guidó o belo trabalho com que nos presenteou.
Um beijinho,Guidó.
Um Abraço para todos,bjs
Júlia R

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COMENTÁRIOS
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Margarida Araújo disse:
De nada Júlia, eu só executei a ideia do João. Mas diverti-me muito.
Bom continuar com laços afectivos que a vida nos vai presenteando.
Um beijo a todas. Guidó
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Isabel V P disse:
João
Fiquei espantada com a rapidez com que estes acontecimentos chegam a todo o mundo!A Júlia telefonou-me depois do almoço a recomendar ver a fotografia. Como ela tinha dito que te ia mandar uma fotografia dizendo esperar que o cenário desta vez fosse o deserto, confesso que não esperava esta solução. Foi uma completa surpresa. Está genial! E o Barak está tão feliz e bem disposto!
Isabel
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Ana Nascimento disse:
Olha Isabel, pois eu foi mais depois do jantar que a menina Júlia me ligou . Disse-me para ir espreitar o blog pois estava lá uma coisa muito engraçada….eu bem lhe perguntei se era algum “escrito” dela mas a miúda aguentou-se e não me disse nada…
Dei uma gargalhada com gosto quando vi o friso das garotas “abrilhantado “ por tão famoso cavalheiro … já me constou que a Michele , ao abrir o jornal, lhe terá feito uma cena de ciúmes…
Bem João só tu com a ideia, a Guidó com a execução, não esquecendo a Julinha que descreveu o momento na perfeição…Beijinhos para este trio maravilha !!!!
Ana
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Mélita Teotónio disse:
Estou cheia de pena por não ter podido participar neste almoço,pois são sempre convívios muito simpáticos e as companhias muito agradáveis.Neste, em particular, o pesar é ainda maior porque... não é todos os dias que se tem a presença de pessoa de tão alto gabarito, a abrilhantar o evento....
Parabéns ao Jales e à Guidó pois a ilustração do momento não podia estar melhor !!!!!!!!!!!Um abraço a todos
Amélia Viana
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Laura disse:
João,
Espero que te interrogues com o nosso nível, pois não é para qualquer um participar num almoço de trabalho com o Presidente Obama.
Lastimo aparecer de olhos quase fechados, mas estava a interiorizar todos os Conselhos dados pelo Sr. Presidente.YES WE CAN!!! Para a próxima vez escolham uma foto minha de olhos abertos, isto deve ter sido uma gracinha da Júlia.
Obrigado ao João e à Guidó, o trabalho ficou excelente.
Beijos para todos
Laura
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JJ disse:
Laura
A Júlia garantiu-me que escolheu a fotografia em que tu tinhas ficado pior... (agora não vás dizer-lhe que eu te contei !). JJ

AULAS DE HISTÓRIA (?)

por João Jales

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A voz, monocórdica, enfadonha e enfadada, vai debitando uma lenga-lenga insípida sobre umas, noutras circunstâncias, empolgantes viagens dos fenícios, primeiro pelo Mediterrâneo, depois, ultrapassando Gibraltar, pelo Atlântico, chegando até às Ilhas Britânicas. Alguns dos ouvintes dormem; de olhos abertos claro, porque o perigo espreita e fechá-los “é a morte do artista”.

Algumas desgraçadas moscas saltitam pelo chão, tentando inutilmente voar. Um “biólogo amador” testa a sua capacidade de sobreviver sem asas e sonha com a possibilidade de domesticar uma delas. Algumas espectadoras encolhem-se, enojadas, já que as moscas-cobaias têm tendência a agarrar-se-lhes às pernas nuas... Eu observo, é de longe o mais interessante que se passa na sala, apesar de já ter visto esta experiência antes e saber que as moscas não aprendem a viver no solo nem se deixam domesticar.

A voz muda, há um ligeiro sobressalto entre os presentes, mas rapidamente o novo leitor se ajusta ao registo do anterior e tudo volta ao normal. O tédio respira-se, espesso, quase líquido, enchendo, avassalador, os pulmões, o cérebro, a alma destes pobres adolescentes.

Como é que é possível que uma matéria como a História Antiga, sobre a qual há livros e filmes formidáveis, seja transformada neste pesadelo? Há dois suspeitos… Mas quais suspeitos! São culpados e estão identificados, passo a nomeá-los para que conste: António Gonçalves Mattoso, advogado e professor de história natural de Leiria e Albino Cândido Lopes, Padre, Director do ERO e professor (falhado) de História Universal do 3º Ano do Liceu. O primeiro escreveu um intragável compêndio de História, o segundo convenceu-se que a melhor forma de o estudar é lê-lo, em voz alta, às segundas, quartas e sextas, durante cinquenta minutos.

O resultado? Alunos em coma tedioso, moscas sem asas e duas dúzias de adolescentes que odeiam a cadeira de História Universal.

Mas o “combate” contra a situação começará cedo, mal se apercebem as vítimas do que as espera durante um ano. Quando a leitura começa, no primeiro aluno da fila lateral e continuando por ordem, a zona contrária da sala, longe de “entrar em acção”, inicia imediatamente as hostilidades: batalha naval, duelos de Bics Boomerangs, azucrinar a cabeça do colega da frente com picadelas de objectos vários, escrever-lhe no pescoço, fazer-lhe cócegas… Há até um jogo em que se aperta lentamente a cadeira e carteira de um colega que, empurrado por trás e pela frente, fica “esmagado” entre os dois objectos. Enfim, tudo o que permite alegrar um pouco uma aula interminável.

O padre Albino é um professor inexperiente mas um homem inteligente, rapidamente se apercebe que a turma está descontrolada. Só ouvem a matéria os dois ou três próximos leitores, o resto dorme, sonha e brinca. E ele ainda tem que ter atenção ao livro porque, se não, alguns artistas mais expeditos saltam linhas para terminar mais rapidamente a sua quota parte.

Na fase seguinte ele sai do estrado e encosta-se à parede traseira, um olho no burro outro no cigano, neste caso tentando ler o manual e ver o que os alunos fazem. A ordem de leitura passa a ser aleatória, determinada no momento pelo Padre, que com uma das famosas canas da Índia dá um pequeno toque nas costas do que deve parar e outro nas costas do próximo a ler. Não pode chamar os alunos pelo nome porque provoca respostas de “Sim, Sr. Padre”, “Diga.Sr. Padre”, com o nomeado a fitá-lo candidamente nos olhos, alegando depois que essa distracção o impede de saber exactamente onde vai a leitura da matéria…

Resultou numa aula, ou talvez duas. Depois, quando o professor muda o leitor, meia-dúzia de fora-da-lei, sempre atentos aos seus gestos pelo canto do olho, batem nas costas do colega da frente e meia dúzia de enganados começam, com ritmos diferentes e por vezes em pontos diferentes do livro, uma nova leitura. Um caos.

Curiosamente o Padre Albino era muito menos disciplinador na sala de aulas do que fora dela, e até menos soturno. Nestas aulas houve “perseguições” a alunos que fugiam por baixo das carteiras dos colegas, em cenas que nenhum outro professor permitiria. O Antero, pequeno e ginasticado, sempre muito falador, era exímio e frequente actor destas “touradas”, impensáveis em qualquer outra aula e nada coerentes com a filosofia que a mesma pessoa impunha no ERO. Só tenho para isso um explicação, o Director só sabia manter a disciplina recorrendo à rigidez extrema e exagerada que lhe era familiar, fora disso era um homem perdido.

A única coisa que o punha realmente fora de si eram as “dúvidas”. Lembro-me do Miguel BM, certamente influenciado pelo pai (esse sim, professor de História), perguntar um dia “O Sr. Padre concorda que a guerra é a higiene do Mundo?”. Perante a descontrolada resposta, apareceram depois outras perguntas, sobre a democracia grega, os nomes dos generais de Aníbal (que o mesmo Miguel nomeava, ou inventava, nunca percebi), os amores de Júlio César e Cleópatra, tudo questões que ficaram sempre sem resposta…

Nunca aprendemos nada, mas as notas lá foram aparecendo, sempre mais ou menos de acordo com a média de cada um. Houve colegas que nunca recuperaram deste trauma e odiaram História para sempre. Eu reconciliei-me, pela admiração que tive pela Ermelinda, a (excelente) professora da disciplina que esteve no ERO nos dois anos seguintes.

Numa das últimas tentativas de dar uma aula diferente, julgo que no terceiro período, o Padre Albino trouxe um dia uns vidros fenícios para mostrar à turma. Eram pequenos fragmentos, pareciam os restos de um colar. Correram toda a turma, ordenadamente, de carteira em carteira até que o último aluno os depositou cuidadosamente em cima da secretária do professor. Ele olhou-os longamente, depois olhou para a turma e, demonstrando um conhecimento dos alunos melhor do que era esperado, disse ”Flores, dá cá os vidros!”. O Luís Filipe Flores Antunes dos Santos levantou-se do seu lugar e entregou-lhe os verdadeiros vidros fenícios, que tinha no bolso, não se esquecendo de reaver os berlindes pelos quais os tinha substituído, na sua vez de os examinar...
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JJ
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COMENTÁRIOS
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jorge disse...
há aqui uma observação que me impressionou logo à primeira leitura:"o Director só sabia manter a disciplina recorrendo à rigidez extrema e exagerada que lhe era familiar, fora disso era um homem perdido". eu nunca tinha pensado nisso mas é verdade,quando não era o todo-poderoso director do colégio o p albino não sabia falar nem brincar com os alunos.não me lembro nunca dele como uma pessoa normal,como me lembro de professores com quem falava fora das aulas.
gostei dos dois relatos da mesma história,mas nota-se que o jales estava lá!
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farofia disse...
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JJ, fascinante, genial! hilariante!
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Que filme! não, nenhum filme conseguia passar esta história de modo mais convincente do que esta escrita. Estas aulas de História ultrapassam a própria História, os heróis no livro a sucumbir desinteressantes vencidos pelos heróis na sala, vivíssimos de sangue na guelra.
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As armas, as estratégias, as técnicas, as tácticas! Uma delícia! A maestria com que os alunos driblam o enjoo e o (co)matoso e o professor!
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Fantástico! apetece aplaudir a equipa e agitar os cachecóis! “Jales, Jales, Jales! Antero, Antero, Antero! Miguel Miguel Miguel! Flores, Flores, Flores! Jales, Jales, Jales! EEERO! ”
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Isabel X disse...
Subscrevo inteiramente o que diz a Farófia (nunca me passou pela cabeça vir a chamar assim à Dra. Inês!). Há palavras que fazem ver mais do que as imagens. É desse modo que se atinge o Princípio da Imaginação. Parabéns JJ, muito sinceramente!.
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Luis disse...
Os episódios são mais ou menos verídicos,embora talvez as acções não fossem tão organizadas com o João apresenta.
Começando na descrição do tédio como um nevoeiro que invadia a sala vamos até à mais delirante subversão,num texto que é empolgante e com muito humor.E o Albino,quando não podia ser um ditador não sabia mesmo o que fazer,bem observado.
Quem era o biólogo que arrancava as asas às moscas?L
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A.J.Neto disse:
Caro João Jales,
O teu texto sobre as aulas de história como o Padre Albino está fabuloso.Envio também um sobre as tentações amorosas do Padre...
Abraço
António José Neto
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Jaime Serafim disse:
Olá Jales
Parabéns pelo seu texto, que eu já conhecia, mas que uma vez publicado no blogue me pareceu ainda mais bem conseguido, dando um retrato autêntico e muito fiel, porque vivido, dos tormentos porque passavam alguns alunos naqueles tempos e das estratégias que engendravam para tornar menos monótono o fluir do tempo.
Um abraço
Jaime Serafim
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João Jales disse:
Aproveito a intervenção do Dr. Serafim, que era mais uma mensagem do que um comentário, para esclarecer que a publicação sucessiva dos dois textos que referem o mesmo episódio (o colar fenício) foi propositada, já que ambos foram escritos sem que qualquer dos autores conhecesse o outro relato. Pareceu-nos pois esta a forma ideal de os apresentar, com as diferenças de pormenor naturais em crónicas de factos com mais de 40 anos e escritos de perspectivas diferentes, o que é sempre enriquecedor para o Blog.
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João Ramos Franco disse...
Toda a prepotência desse director que li em "O princípio da revolta (J B Serra)", leva-me, apesar de gostar do que escreves e do modo como relatas as aulas de História, a um sentir ainda mais negativo do personagem questão.
João Ramos Franco
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Anabela Miguel disse:
João, o teu relato das aulas de História do Padre Albino foi tão extraordinário e pormenorizado que conseguiste transportar-me àquela época. Que esforço eu fazia para estar atenta e não adormecer nas suas enfadonhas aulas que, se não fossem algumas brincadeiras entre os alunos, seriam de uma completa monotonia.
Ana Miguel
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Luisa disse:
Morria-se de aborrecimento naquelas aulas,não era possível gostar de História assim. Alguém falou de exageros aqui nos comentários,mas a tua descrição não tem nenhum exagero-aquilo era uma chatice tal e qual tu descreves!E que bem descreves,os teus textos são de um realismo incrível e parecem um filme tal como diz a dra Inês.L
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Miguel BM disse:
O tema "História" sempre me agradou e muito graças aos ensinamentos do meu Pai.Falado de modo simples mas vivo,com hipótese de diálogo,discussão e troca de ideias, é sem dúvida um assunto fascinante.Ou seja,precisamente o inverso do que eram as execráveis aulas dadas pelo Conde.
O texto do superbloguista JJ é uma verdadeira aula ao vivo.Não me lembro rigorosamente dos nomes dos generais de Aníbal nem sequer de os saber,e ainda menos da pergunta que me é atribuída pelo autor, o que é natural,pois no final da cada aula era preciso esquecê-la rapidamente.
E se o professor,ou lá o que era aquilo, tivesse resolvido dar matemática ou física ?MBM
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Flores disse:
Depois de ler estes dois textos magníficos, entrei numa espécie de letargia que me impediu de reagir imediatamente ao ritmo das emoções que me provocaram.Ainda agora não me ocorre uma forma que julgue à altura do estilo rigoroso e divertido dos seus autores.
Todos sabemos que a memória é selectiva e eu, em particular, considero a minha excessiva nesse atributo.Embora me lembrasse bem o episódio das pedras fenícias, ocasionalmente recuperado em tertúlias familiares ou de amigos mais próximos, confesso que não esperava mergulhar tão intensamente no ambiente das aulas daquele tempo, numa profusão de detalhes, alguns que julgaria perdidos para sempre.A melhor forma de corroborar o tédio e a irrelevância daquelas aulas de História é talvez reconhecer que, para além da memória do episódio, tudo o resto se me tinha varrido da consciência.
Passados tantos anos é um prazer recordar, através de duas prosas vivas, juntas num cânone tão harmonioso, um dos tantos momentos hilariantes que vivemos juntos. Mas é sobretudo um privilégio, quando elas brotam em sintonia das penas de um colega e de um professor, sem desprimor para os outros, de absoluta eleição!
Abraço
Luís Filipe Santos
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António disse:
Não sei se estava um ou dois anos à frente do autor mas também tive direito a aulas destas.O Albino era um péssimo professor de história,sem qualquer preparação,vocação e imaginação para dar aulas.Até as aulas de moral dele eram chatas!!!
A descrição está muito bem conseguida e o episódio do colar é muito engraçado.Mais engraçado é que eu já o tinha ouvido a outro colega com outro protagonista e noutra turma!Mas os testemunhos do Dr serafim,JJ e Flores são todos coincidentes e não me deixam dúvidas.

O mistério do colar fenício (Uma estória na aula de História)

por Jaime Serafim

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Estávamos em 1965 ou 66. O contracto com um professor de História tinha-se gorado. Então o Director, Sr. Padre Albino Cândido Lopes, decidiu ser ele próprio a tomar conta de algumas turmas dessa disciplina. Não era licenciado em História, mas tinha uma vasta cultura geral e era pessoa muito viajada, tendo visitado muitos locais que se celebrizaram pelos acontecimentos histórico relevantes que ali tiveram lugar. Possuía mesmo alguns pequenos objectos que teriam pertencido a civilizações remotas, sendo, portanto, de valor inestimável.
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Numa aula, creio que do 3.º ano, o tema era a civilização fenícia. Certamente é referida a aptidão natural que os fenícios tinham para o comércio marítimo, tendo chegado a comerciar em paragem bem longínquas para a época. Desenvolveram técnicas de navegação e de fabricação de barcos, de tecidos, de vidro…

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- A propósito, tenho aqui uma conta de um colar fenício. É autêntica! Reparem na qualidade do vidro que os fenícios já fabricavam. Reparem que está um pouco desgastada pelo tempo. A civilização fenícia era florescente 1 000 anos antes de Cristo. Para melhor observarem, vou dar a conta ao aluno da primeira carteira. Depois de a observar passará ao seguinte e assim sucessivamente.

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E a conta lá foi passando de mão em mão, depois de cada um a observar respeitosa e religiosamente, como se de uma relíquia santa se tratasse.

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Passado um tempo, há um aluno que, algo envergonhado e a medo, tem coragem para dizer:

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- Mas isto é um berlinde, como aqueles com que brincamos!

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- Oh rapaz, tu não sabes distinguir um objecto tão valioso como esse, de um berlinde vulgar, de vidro ordinário?

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- Desculpe, mas isto é um berlinde!

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Gerou-se uma certa tensão na sala. Como se atreve este aluno a afrontar um professor? E, ainda por cima, é mesmo o Director!

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- Dá cá a conta, para eu te mostrar que…

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- Ohhh, mas é mesmo um berlinde! Que aconteceu à minha conta de vidro fenício, que se transformou num berlinde? Não pode ser!

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O Director ficou a olhar a sala, sem saber o que pensar, nem vislumbrar como explicar um acontecimento tão inesperado, como insólito. Como teria sido possível que a valiosa conta seja agora um berlinde como os que se vendem numa qualquer loja de esquina? Na busca de uma urgente explicação para este mistério, foi olhando para cada um dos presentes, que, também eles, mostravam uma certa incredulidade perante o que tinha acontecido.

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Um dos alunos, por onde a conta tinha passado, exibia um riso/sorriso mal contido, um ar malandreco e um olhar brilhante, que não passou despercebido ao professor…

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- Foste tu, meu malandro! Tenho a certeza! Ora confessa lá o que fizeste!

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Realmente tinha sido ele. Casualmente tinha um berlinde no bolso e, quando a conta lhe chegou às mãos, meteu-a no bolso e de lá tirou o berlinde que passou calmamente ao colega seguinte. A conta andou por várias mãos, que a identificaram como um autêntico vidro fenício, até chegar às do denunciante, que se recusou a aceitar o possível embuste.

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Esta estória foi-me contada, com muita graça, pelo próprio Sr. Padre Albino, que a achou extremamente divertida e bem conseguida, reconhecendo que só um aluno inteligente, com sentido da oportunidade e com um humor bem requintado, o poderia fazer.

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E sabem quem era o aluno malandreco a quem ele se referia?


L.F.F.A.S.

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Jaime Serafim
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COMENTÁRIOS
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Júlia Ribeiro disse:
Mas que mauzinhos! Conseguiram baralhar o Sr. Padre Albino Cândido Lopes.....afinal ele também se divertia e tinha algum sentido de humor, pelo que nos relata o Dr. Serafim.No fundo,há sempre uma pequenina coisa que desconhecemos num ser humano .
E assim vai o blog...vamos sabendo sempre mais estórias que se passaram dentro daquelas paredes que a todos nós nos albergaram e que cada vez mais nos vão unindo. Obrigado ao João e Dr. Serafim.
Beijinhos
Júlia R
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Isabel X disse...
Isto não é um comentário, é um desabafo! Já viram que em História todos se julgam capazes de "dar uma perninha"? Basta possuir um berlinde fenício, ter viajado a alguns lugares (supondo que não se trata de um destino turístico indiscriminado)e saber ler o Mattoso, em voz alta, durante as aulas, e já o "professor" se sente "habilitado" para leccionar a referida disciplina. Já se fosse Física, Química, Biologia, Matemática, "outro galo cantaria!"
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Jaime Serafim disse:
A Isabel tem toda a razão no seu desabafo, quando refere “que em História todos se julgam capazes de "dar uma perninha". No entanto, quando afirma que se fosse Física, Química, Biologia, Matemática, "outro galo cantaria!", provavelmente por desconhecimento, deixa de ter razão.
Conheci pessoalmente muitos casos concretos de “professores” destas disciplinas - Física, Química, Biologia, Matemática - que nem o sétimo ano dos liceus tinham completado e outros, que tendo frequentado faculdade, não tinham obtido, na altura, aprovação em qualquer cadeira referente à(s) disciplina(s) que leccionava(m). Só não digo nomes de alguns deles, porque a situação felizmente foi alterada e, neste momento, não interessa a ninguém.
Pois, Isabel, nesses anos, em anos anteriores e também em anos seguintes, não era só a História que era “leccionada” numa quase ausência de habilitações, mas isso era um mal que. na altura, se espalhava por quase todas as disciplinas, quer no ensino particular, quer no oficial.
Mas os seus comentários e/ou desabafos são sempre estimulantes e pertinentes – a Isabel está sempre presente e atenta – um beijo com toda a amizade e admiração que sabe que tenho por si.
Jaime Serafim
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Isabel X disse:
Claro que nunca poria em dúvida a nossa amizade e mútua admiração por ficar a conhecer que eu não tinha inteira razão e que a situação a que o meu desabafo alude era, afinal, extensiva a todas as disciplinas. Antes não fosse! Pelo contrário, agradeço-lhe esse esclarecimento. Um beijinho e muitas saudades.
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farofia disse...
Serafim, oh memória preciosa! Ainda mais valiosa (e Albino me perdoe) do que a pedra/berlinde fenícia. Você é um ‘must’, enquanto guardião dos tesouros daquele templo sagrado (esta é um bocadito ‘coiso’, saiu-me… ).
Você conheceu tudo e recorda-se de tudo (benza-o Deus!) com a objectividade madura de quem estava uns degraus acima da plebe.
Directamente do padre Albino você escutou a história do rapaz que ‘enrolou’ o mestre, e o mestre apreciou-lhe o engenho e arte. E assim … tanananan!... ei-lo, o artista!
A foto dir-se-ia instantânea e à la minute, se não fora não ser!
Agora sim, Serafim, agora é que faziam jeito uns intervalos grandes para gozar da sua graciosa companhia e rir, rir, rir, até mais não poder. :)))
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Flores disse:
Depois de ler estes dois textos magníficos, entrei numa espécie de letargia que me impediu de reagir imediatamente ao ritmo das emoções que me provocaram.Ainda agora não me ocorre uma forma que julgue à altura do estilo rigoroso e divertido dos seus autores.
Todos sabemos que a memória é selectiva e eu, em particular, considero a minha excessiva nesse atributo.Embora me lembrasse bem do episódio das pedras fenícias, ocasionalmente recuperado em tertúlias familiares ou de amigos mais próximos, confesso que não esperava mergulhar tão intensamente no ambiente das aulas daquele tempo, numa profusão de detalhes, alguns que julgaria perdidos para sempre.A melhor forma de corroborar o tédio e a irrelevância daquelas aulas de História é talvez reconhecer que, para além da memória do episódio, tudo o resto se me tinha varrido da consciência.
Passados tantos anos é um prazer recordar, através de duas prosas vivas, juntas num cânone tão harmonioso, um dos tantos momentos hilariantes que vivemos juntos. Mas é sobretudo um privilégio, quando elas brotam em sintonia das penas de um colega e de um professor, sem desprimor para os outros, de absoluta eleição!
Abraço
Luís Filipe Santos
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Fátima G V disse:
Só hoje tive oportunidade de ler tudo.
Adorei entretanto rever o Flores, sempre meigo e simpático, amigo do seu amigo , ao pé dele as tristezas esfumavam-se, aprendi com ele que a nossa alegria depende das alegrias que transmitimos uns aos outros. A careta que nos faz sorrir, a gargalhada espontânea, a canção fazendo brotar na nossa voz a dádiva na amizade. José Cid cantou "Música, eu nasci para a música”, mas nem todos nascemos…
A Professora que mais me marcou a História também foi a Dra. Ermelinda, e com ela descobri o Renascimento.
Fáfá